O conflito Sarauí e o apoio norte-americano a Marrocos – consequências

A política externa dos Estados Unidos da América tem mantido, ao longo de décadas, uma linha orientadora que, em determinadas matérias, vai sendo comum às sucessivas Administrações. No tema em análise, e sob a presidência de Bill Clinton, a política de neutralidade foi sendo a dominante, não tendo reconhecido, ao longo da quase totalidade dos seus dois mandatos, o território sarauí como fazendo parte do Reino de Marrocos. Esta posição, contudo, sofreria, já no declinar do seu consulado presidencial, algumas mudanças, alegadamente por razões de apaziguamento entre as partes em conflito, e, consequentemente, na estabilização da região e na defesa dos interesses norte-americanos. Deste reajustamento estratégico resultaria o aprofundamento das relações entre Marrocos e os Estados Unidos. Todavia, a posição de neutralidade norte-americana manter-se-ia somente até ao passado dia 10 de Dezembro de 2020, momento escolhido pelo ainda inquilino da Casa Branca, Donald Trump, para, formalmente, reconhecer “a soberania de Marrocos sobre o Sara Ocidental”, na crença de que “um Estado sarauí independente não é uma opção realista para resolver o conflito, e que a autonomia genuína, sob a soberania marroquina, é a única solução viável”[1], a troco de um acordo visando o estabelecimento de relações diplomáticas entre Marrocos e Israel. Esta alegada condição mereceria a imediata “correcção” pela voz do ministro das Relações Exteriores marroquino, Nasser Bourita[2]. Interpretações à parte, este acordo faz, assim, de Marrocos o quarto país árabe, depois dos Emirados Árabes Unidos, do Bahrein e do Sudão a aderir à proposta norte-americana de aproximação ao Estado judaico, o que, na prática, põe termo a décadas de alheamento mútuo, apesar de ter havido sempre um relacionamento isento de tensões. Com esta viragem, só aparentemente inesperada, novos desenvolvimentos irão marcar os próximos tempos da agenda internacional, com posicionamentos políticos e geostratégicos claramente opostos, neste já longo conflito pós-colonial.

Artigo de opinião do Doutor João Henriques no jornal i – 29 de Dez de 2020