Abraçar o Islão em Portugal, um apelo com muitas motivações

Os números da religião em todo o mundo mostram que o Cristianismo é o culto com mais fiéis, totalizando cerca de 2,4 mil milhões de pessoas. Segue-se o Islão, com 1,9 mil milhões. Mas o panorama pode mudar nas próximas décadas, considerando as previsões do Pew Research Center, que aponta para um crescimento estimado de 73% da população muçulmana entre 2010 e 2050.

Desta forma, o Islão apresenta-se como a religião que está a expandir-se mais rapidamente a nível mundial, ultrapassando os cristãos, que deverão registar um aumento de 35% durante o mesmo período. As estimativas indicam que o Islão está a caminho de se tornar a maior religião do mundo, até 2070.

Estes números, apresentados por João Henriques, Vice-Presidente do Observatório do Mundo Islâmico (OMI), foram o ponto de partida para a mesa redonda ‘Abraçar o Islão em Portugal’, que decorreu na Mesquita Central de Lisboa, no passado dia 25 de maio. Este evento juntou, como oradores, o Sheikh David Munir, Imã da Mesquita Central de Lisboa, o Sheikh Zabir Edriss, Presidente do Centro Cultural das Colinas do Cruzeiro, o Professor Hermenegildo Fernandes, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e Rui Santiago, um convertido ao Islão, também membro do OMI.

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O que significa abraçar o Islão?

A explicação sobre o significado desta expressão chegou, desde logo, na primeira intervenção da mesa-redonda, pela voz do Sheikh David Munir, Imã da Mesquita Central de Lisboa. “A palavra Islão significa submissão voluntária. Todos nós sabemos que o muçulmano é aquele que se submete voluntariamente.” No fundo, defende, ser muçulmano “é muito fácil. Basta dizer: eu testemunho que só há um Deus e testemunho que Muhammad é o seu servo e mensageiro — e já é muçulmano”. Acrescenta, ainda: “Nós não podemos impedir ninguém de ser muçulmano”.

Embora não as possam impedir, isso não invalida que se procure conhecer as reais motivações das pessoas. “Podemos perguntar o que levou determinada pessoa a gostar do Islão, e como é que se identificou com a crença islâmica”. Aí, refere o Sheikh David Munir, “há várias experiências e há várias respostas”.

As motivações podem, por exemplo, nascer do contacto com alguém que se destaca pelo seu caráter, pela sua honestidade ou pela sua simplicidade, explica o imã da Mesquita Central de Lisboa. Quando se apercebe de que a crença ensina a ser assim, as pessoas passam, igualmente, a desejar ser assim.

Mas há também os casos em que é a paixão ou o amor por alguém que motiva a conversão. A paixão pode ser, aqui, o “empurrão”. Depois, as pessoas acabam por gostar do Islão e por gerar um sentido de identificação.

Contudo, é preciso reconhecer que há quem decida seguir o Islão por estar na moda ou, até, em virtude de perturbações mentais e por procurarem protagonismo. Nestes casos, ligam-se à religião por via de pessoas radicais, que vêm do exterior, e através das redes sociais, baseando-se em conhecimentos errados.

A importância da formação

Neste, e em todos os casos, a orientação e a formação são fundamentais. Nesta área, importa destacar o trabalho desenvolvido pelo Sheikh Zabir Edriss, Presidente do Centro Cultural das Colinas do Cruzeiro. Há mais de 20 anos a trabalhar no âmbito da formação, referiu, na sua intervenção na mesa-redonda, que as pessoas continuam a mostrar interesse em aprender o Islão e, ao mesmo tempo, a cultura islâmica.

Querem compreender, por exemplo, como funcionam as famílias muçulmanas. Até porque, diz, 90% das pessoas que se convertem ao Islão em Portugal fazem-no por quererem casar com alguém que é muçulmano.

“Durante estes 20 anos de trabalho na Mesquita Central de Lisboa, vimos que havia praticamente um convertido por semana. Numa fase eram mais mulheres do que homens, mas, noutra, a tendência inverteu-se. E sentíamos que eles precisavam de aprender o Islão básico”, conta, elogiando a decisão da Mesquita de Lisboa de abrir portas para estes convertidos, sobretudo numa altura em que pairava uma grande desconfiança sobre a comunidade muçulmana, após o ataque às Torres Gémeas, em Nova Iorque.

Decorridos 20 anos, o trabalho continua. Hoje, centra-se muito nas plataformas online, uma nova possibilidade que se abriu com a pandemia de COVID-19. A partir do Centro Cultural das Colinas do Cruzeiro, a formação sobre o Islão, mas também o ensino do árabe, está disponível a todos aqueles que queiram aprender, dentro e fora do país.

Independentemente da motivação das pessoas, a formação desempenha uma papel-chave, destaca o Sheikh Zabir Edriss. “O que realmente ajuda as pessoas a manterem-se estáveis nesta religião é a formação. É estudar, aprender, saber o que é a religião e o que pede, a sua componente histórica, mas também filosófica e de jurisprudência. Isso realmente fez com que muitos que entraram no Islão, primeiro por uma razão específica, acabassem por se manter.”

Percebendo a grande importância da formação e da informação, o Centro Cultural das Colinas do Cruzeiro tem apostado nessa área, como comprovam os cartazes que expôs durante o evento ou as próprias paredes do centro, que se localiza em Odivelas. “A ideia é facultar informação às pessoas. Tem sido sempre esse o nosso trabalho”, frisa o Sheikh Zabir Edriss.

Os convertidos e a raiz muçulmana

Rui Santiago, convertido ao Islão, que fez parte do painel de oradores do evento, sublinhou a determinante relevância da formação. No processo de descoberta de identificação religiosa, começou por estudar o Islão com mais afinco. Muitas componentes começaram, aí, a demonstrar reflexos positivos em si.

“Desse momento até assumir que era muçulmano, e que estava plenamente identificado, foi um passo”, testemunhou, referindo que a sua conversão se foi consolidando à medida que aprendeu o Alcorão, mas também a língua árabe. Hoje, passados 30 anos, sente-se plenamente integrado, encontrando no Islão um conjunto de valores que se foram perdendo na sociedade portuguesa. Uma sociedade que apresenta, na verdade, uma forte raiz islâmica, como explicou o Professor Hermenegildo Fernandes, um medievalista e profundo conhecedor da presença islâmica na Península Ibérica.

Basta pensar que, anos antes da fundação de Portugal, Lisboa era uma cidade islâmica, sendo que o primeiro foral da cidade foi dado pelo rei aos muçulmanos, em 1170, conta o especialista. O percurso histórico foi moldando esta realidade. O domínio cristão impôs-se e criou-se um hiato entre o século XV e o 25 de abril de 1974, altura em que a comunidade islâmica se foi estabelecendo por via dos retornados que chegaram de Moçambique, mas também da Guiné. “Esse retorno recompõe aquilo que me parece ser a matriz tradicional portuguesa e, sobretudo, da cidade de Lisboa”, refere o Professor e Diretor da Faculdade de Letras. “Uma matriz que foi sempre multicultural e multirreligiosa”, conclui.