O conflito na República Centro-Africana e o envolvimento de Portugal

RESUMO

Apesar dos seus amplos recursos agrícolas, responsáveis por mais de metade do seu Produto Interno Bruto, e minerais, com importantes reservas de diamantes, ouro e urânio, a República Centro-Africana figura no quadro dos países menos desenvolvidos do mundo, onde os jovens representam mais de 70 por cento da população (1). Desde a sua independência, formalmente declarada em 1960, que a antiga colónia francesa, tem vindo a ser palco de sucessivos golpes de Estado, que deram lugar a uma guerra civil, iniciada em 2013, provocando a morte de milhares de civis e de mais de um milhão de deslocados. Com o propósito de pôr termo ao crescente risco de um genocídio e de promover a paz em todo o território, a Comunidade Internacional reagiu com o envolvimento das suas principais organizações. Portugal participa desse esforço, integrando missões tanto no âmbito da União Europeia (EUTM) como das Nações Unidas (MINUSCA). Para Portugal, esta ampla região é considerada de grande importância estratégica face aos desafios colocados à segurança europeia.

ANÁLISE

A República Centro-Africana vive, desde há décadas, em ambiente de profunda e crescente instabilidade, marcada pela proliferação de grupos particularmente violentos que permanentemente põem em perigo toda a população. A situação agravou-se, a partir de Março de 2013, quando os rebeldes Seleka, uma coligação formada por diferentes facções políticas hostis ao presidente François Bozizé, o depuseram, sendo o ponto de partida para a actual guerra civil. Foi neste contexto de insegurança, ao qual as autoridades do país nunca conseguiram dar resposta, que o Conselho de Segurança das Nações Unidas decidiu mandatar a United Nations Multidimensional Integrated Stabilization Mission in the Central African Republic (MINUSCA), com base na resolução 2149, de 10 de Abril de 2014, a missão de, entre outras, “proteger a população civil da ameaça de violência física” e “apoiar a implementação do processo de transição democrática”, a par da “reconciliação nacional e local” e da “promoção e protecção dos Direitos Humanos”. Foi assim que, no início de 2017, na sua qualidade de Estado- Membro, e ao abrigo do artigo 42o do Tratado da União Europeia, e em conformidade com o artigo 51o da Carta das Nações Unidas, Portugal passaria a integrar, igualmente, esta importante missão, constituindo-se como Força de Reação Rápida (Quick Reaction Force). Deste modo, Portugal tem estado envolvido em múltiplas acções contribuindo decisivamente para a protecção da população centro-africana e para a restauração de um ambiente seguro em todo o território, através de uma efectiva neutralização dos grupos hostis e da libertação das povoações atingidas pela acção de grupos armados. No âmbito da EUTM (European Union Training Mission), Portugal participa na reconstrução das Forças Armadas centro-africanas, tendo no território um contingente de 58 militares, ao mesmo que integra a MINUSCA (United Nations Multidimensional Integrated Stabilization Mission in the Central African Republic) com um efectivo de 183 militares (2).

A intervenção das Forças Armadas Portuguesas neste conflito tem, de resto, merecido os mais rasgados elogios provenientes dos mais diversos quadrantes, em particular da Organização das Nações Unidas, que através do líder da MINUSCA, o Tenente-General Balla Keita, enalteceu o “desempenho, profissionalismo e dedicação” dos militares portugueses em todas as operações em que têm estado envolvidos. Também a Ministra da Defesa da República Centro-Africana, Marie-Noelle Koyara, reconheceu o decisivo contributo que a missão portuguesa tem dispensado no âmbito da formação de quadros militares daquele país. Finalmente, para o Subsecretário-Geral para as Operações de Paz das Nações Unidas, Jean-Pierre Lacroix, “a presença da MINUSCA tem sido determinante para a segurança da população e salvaguarda da ordem democrática”, destacando a “importante contribuição de Portugal com a presença de tropas muito eficazes, tropas de comando com um serviço excepcional”, num ambiente “muito volátil”, a par de uma situação humanitária “alarmante”, considerando, ainda, que a República Centro-Africana “é agora o lugar mais perigoso para o trabalho humanitário” (3), por onde circulam grupos rebeldes armados dedicados ao tráfico de diamantes e ouro, e à extorsão de mineiros e da população em geral. Da sua parte, e de modo a combater estas acções, o presidente Touaderá tem recorrido a outros aliados estrangeiros, contando mesmo com a ajuda de um conselheiro de segurança russo para o treino das suas forças, o que é entendido por alguns sectores políticos como mais um sinal da expansão da influência militar russa no continente africano (4). Segundo o seu porta-voz, o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, continua “bastante preocupado com os mais recentes confrontos armados e as permanentes ameaças à população civil, lamentando profundamente a perda de vidas humanas, a deterioração da situação humanitária, o deslocamento forçado de mais de 200.000 pessoas e o aumento do sofrimento da população”, afirmando, ainda, a “firme intervenção da MINUSCA na efectiva materialização do seu mandato e na protecção de civis” (5). Nesse sentido, e acreditando que a situação na República Centro-Africana continua a constituir uma ameaça à paz e segurança internacionais, o Conselho de Segurança da ONU aprovou, no passado dia 12 de Março, uma resolução que determina um aumento gradual em cerca de 3.000 soldados aos efectivos da MINUSCA presentes no território (6).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os sucessivos acordos entre os grupos rebeldes e as autoridades da República Centro-Africana, tendentes a pôr termo ao longo conflito social que tem fustigado o país, não tiveram até agora qualquer efeito prático. A crescente violência registada sobretudo na sequência do acto eleitoral, do passado mês de Dezembro, tem atingido dramaticamente a população civil sujeita a verdadeiros massacres levados a cabo por milícias armadas que disputam os consideráveis recursos naturais do território, o que muito tem contribuído para a profunda deterioração da situação humanitária. Esta persistente instabilidade provocou o envolvimento da Comunidade Internacional, mobilizando para o território forças da União Europeia e das Nações Unidas, que têm como principais missões a protecção da população permanentemente sob a ameaça dos grupos rebeldes armados, e o retorno à estabilidade política. É neste ameaçador contexto que os militares portugueses que integram as missões da União Europeia (EUTM) e das Nações Unidas (MINUSCA) se têm envolvido em sucessivos combates com grupos armados que se distribuem por um território onde apenas uma pequena parte é controlada pelo governo, sobretudo na região envolvente à capital, Bangui.

(1) THE WORLD FACTBOOK. Disponível em: https://www.cia.gov/the-world-factbook/countries/central-african-
republic/[Consultado em 13 de Março de 2021].
(2) ESTADO-MAIOR- GENERAL DAS FORÇAS ARMADAS. Disponível em: https://www.emgfa.pt/[Consultado em 14 de Março de 2021].
(3) ONU INFO, 24 de Fevereiro de 2021.
(4) THE NEW YORK TIMES, 12 de Fevereiro de 2021.
(5) ONU INFO, 3 de Fevereiro de 2021.
(6) FRANCE 24, 13 de Março de 2021.

João Henriques,

Investigador Integrado do Observatório de Relações Exteriores (OBSERVARE)/Universidade Autónoma de Lisboa
Vice-Presidente do Observatório do Mundo Islâmico
Auditor de Defesa Nacional pelo Institut des Hautes Études de Défense Nationale (IHEDN), de Paris