Embaixador da Palestina: “A América detém a chave para a paz no Médio Oriente”

Nabil Abuznaid, embaixador palestiniano em Portugal, acredita que “o comportamento americano está a mudar em relação a Israel” e que também a autoimagem de Israel é diferente daquele país histórico que foi capaz de derrotar rapidamente os países árabes. “Depois de sete meses, e de toda a destruição em Gaza, eles não conseguiram uma vitória. Muita coisa mudou e talvez seja hora de acabar com esta guerra”, conclui Nabil Abuznaid em entrevista ao Observatório do Mundo Islâmico, após a sua presença como orador convidado num almoço-conferência sobre a Paz na Palestina.

Está em curso um processo de paz, qual a probabilidade de se conseguir chegar a um acordo?

Grande parte do processo decorre de forma secreta e está a ser feito entre Israel e o Hamas, através da mediação do Catar, do Egito e dos Estados Unidos. Eles estão a tentar alcançar um acordo, que consiste em trazer os reféns de volta para Israel e acabar com a guerra. Mas Israel não está interessado nisso. Parece que estavam próximos de um acordo, mas infelizmente isso não aconteceu por causa da formulação sobre o fim da guerra ou um cessar-fogo temporário. Assim, o Hamas exige o fim da guerra e que Israel se retire de Gaza. Mas Israel disse que não, que não pode acabar com esta guerra, talvez um cessar-fogo temporário. Esta é a questão. Assim, o Hamas teme que se eles recuperarem os reféns, regressem depois com uma guerra mais dura.

Mas considera que ainda é possível alcançar a paz?

Sim. Eles estão a pensar numa paz mais sustentável ou em alguma forma de sair disto. Talvez cheguem a um acordo escrito ou verbal, mas estes países deveriam chegar a acordo sobre alguma coisa. Esperamos que assim seja, porque isso significa que paramos com a matança e acabamos com o genocídio dos palestinianos. Se houver uma guerra em Rafa, será pior do que no passado e mais pessoas morrerão. Por isso, estamos a tentar alcançar a paz.

Qual pode ser o fator-chave para pôr fim a esta guerra?

Considero que é a pressão americana. Estamos em época eleitoral nos EUA, é a credibilidade da América que está em jogo. Além disso, o Departamento de Estado deve dar uma decisão ao Congresso. Biden disse que se as armas forem usadas contra civis, e não para a defesa, vai adiar e parar a entrega de novas armas. Isto é, de facto, pressão. E é por isso que o diretor da CIA, William Burns, permaneceu na região durante vários dias, viajando entre as várias capitais.

Portugal tem um novo governo. Já conversou com o novo ministro? Tem o apoio de Portugal?

A nossa expectativa é a de que haja o reconhecimento do Estado da Palestina por parte de Portugal. Estamos à espera de uma posição clara do Governo. Historicamente, Portugal esteve ao lado da Palestina e apoiou os direitos palestinianos, bem como a autodeterminação à condição de Estado. Há alguns meses, os embaixadores árabes tiveram uma reunião com o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, que nos disse que, em 2024, haveria um reconhecimento do Estado da Palestina por parte de oito países europeus. Entre eles, Portugal.

 

A nossa expectativa é a de que haja o reconhecimento do Estado da Palestina por parte de Portugal.

 

E na comunidade portuguesa, encontra apoio para a causa palestiniana?

A comunidade demonstrou, realmente, a sua posição. Foi para as ruas. Por todo o lado vemos pessoas que nos mostram solidariedade. Temos recebido e-mails e mensagens das pessoas. E não só agora, com o que está a acontecer nas universidades. Durante todo este tempo tivemos grandes manifestações de apoio. Agora, vemos o despertar dos estudantes portugueses, que exigem o fim desta guerra. Portanto, os portugueses apoiam a Palestina, mas precisamos de ver esse reconhecimento em breve.

Além das universidades, outras instituições ou pessoas têm-lhe demonstrado apoio?

Associações, sindicatos, autarcas e grupos pacifistas estão a mostrar a sua solidariedade e têm feito declarações. Recebemos muitas declarações dos municípios. Portanto, há algum tipo de discussão e movimento dentro de Portugal, apoiando as posições das Nações Unidas e de outras organizações internacionais relativamente à Palestina.

Portugal está a receber refugiados da Palestina?

Não, temos apenas alguns casos de reuniões familiares de pessoas provenientes de Gaza.

Como é a relação entre palestinianos e a comunidade israelita em Portugal?

Existe uma relação pacífica entre a comunidade palestiniana e os judeus. Mas não temos uma grande comunidade palestiniana.

Quantos palestinianos vivem em Portugal?

Não mais do que algumas centenas em todo o país. Trata-se, na sua maioria, de jovens estudantes.

Além da guerra na Palestina, estamos a assistir a uma guerra na Ucrânia. Mesmo que sejam realidades diferentes, considera que vivemos num cenário de potenciais novas guerras e um clima de conflito no mundo?

São cenários completamente diferentes. A guerra na Ucrânia é provavelmente mais fácil de resolver por meio de negociações, porque é uma questão política. Mas, para a Palestina, é diferente. Um país quer ocupar outro país e negar a sua liberdade, negar a sua identidade e tirá-los do seu país. Então, a ocupação israelita, na verdade, é a ideologia de controlar a terra para mostrar que é israelita ou judaica, e não a Palestina. Pretende expulsar os palestinianos. Portanto, é um conflito difícil. Nega a todas estas pessoas os seus direitos, o seu futuro, a sua identidade, o seu país, recorrendo a meios duros.

Na Ucrânia, o conflito começou recentemente. Tenho a certeza de que no final eles vão se sentar e encontrar soluções. Mas a questão na Palestina continua desde 1948. Não há esperança para o futuro. E, realmente, os israelitas dificultam as esperanças de que os palestinianos tenham um Estado, porque estão a confiscar terras e a instalar colonatos israelitas.

Embaixador da Palestina, Senhor Nabil Abuznaid

Mesmo assim, tem evidenciado algum otimismo, dizendo que agora existe um novo clima de diálogo e de paz. O que o faz acreditar que agora é diferente?

No passado era diferente. Não esperávamos isto. Faz-me lembrar a África do Sul e o fim do regime do Apartheid. Na América, vemos todas estas pessoas realmente comprometidas com a luta a favor da Palestina. É como uma revolução. Estas pessoas realmente acreditam na igualdade e na liberdade, contra a opressão. Unem-se pessoas de todas as cores, todas as religiões, de diferentes origens. O comportamento israelita e a morte de 35.000 pessoas — principalmente jovens, mulheres e crianças — realmente afetou-os. E é por isso que a situação está a ficar séria. Eles estão a enviar mensagens para o lobby judeu na América, que afeta a tomada de decisões, e para os sionistas cristãos que acreditam que Israel deve controlar esta terra à espera do Messias.

Estas pessoas revoltaram-se contra o velho pensamento. Dizem que somos todos iguais e vamos lutar juntos. Vêm de universidades de elite e de contextos abastados, podem, realmente, ocupar os cargos e os empregos decisivos do futuro.

Então, há uma mudança importante e fundamental nos EUA?

Esta mudança é importante porque é a América: e é a América que detém a chave para a paz no Médio Oriente. Trata-se da principal potência a financiar Israel, militar e verticalmente. Até quando é que os Estados Unidos podem continuar a sua política unilateral em relação a Israel? Como pode Israel liderar guerras sem o apoio americano? Sem a América, Israel não pode sobreviver.

Então, hoje considero que o comportamento americano está a mudar em relação a Israel. E os israelitas estão a pensar sobre si próprios. Já não são aquele povo que historicamente derrotou todos os tipos de países árabes numa questão de horas. Depois de sete meses, e de toda a destruição em Gaza, não conseguiram realmente uma vitória. Isso significa que muita coisa mudou e talvez seja hora de acabar com esta guerra. Assim, a América está também a começar a falar mais seriamente sobre a solução de dois Estados, de que os palestinianos merecem um Estado.

 

(…) o comportamento americano está a mudar em relação a Israel. E os israelitas estão a pensar sobre si próprios.

 

Há uma mudança de mentalidades.

O pensamento deles está a mudar muito. Há uma mudança na velha mentalidade e no equilíbrio de poder entre os países. Os Estados do Golfo percebem que Israel não é uma superpotência. Eles dizem: não precisamos da proteção de Israel. Israel nem sequer se consegue defender a si próprio. Hoje, é um fardo. Não é benéfico ter relações com Israel. Poderia criar mais problemas e alguns países pensam provavelmente duas vezes.

E o papel da China no Médio Oriente? Que diferença pode fazer neste cenário?

A China é um país importante. Tem, agora, boas relações com o Médio Oriente e está a alterar o equilíbrio de poderes. A América não é a única potência na região. Outras potências do mundo têm um papel importante no Médio Oriente. A China tem boas relações, especialmente com os Estados do Golfo, em termos de negócios. Houve, aliás, alguns desenvolvimentos recentes com a Arábia Saudita. A América não gostaria de ver a China também como um mediador no Médio Oriente, tentando resolver este conflito. Mas estão a olhar para a China e a perceber que pode ter um papel na região. Têm boas relações com o Irão e talvez, depois desta guerra, vejamos novos aliados no Médio Oriente.

Falando sobre o futuro, que tipo de papel poderá o Hamas desempenhar num futuro governo?

Se tivermos eleições, não vamos dizer às pessoas como votar. Tenho a certeza de que eles ganharam alguma credibilidade depois desta guerra e as pessoas votarão neles como uma potência. Mas, ao mesmo tempo, talvez algumas pessoas não estejam interessadas em assistir a mais guerras.

Além disso, o Hamas, com este poder, pode tornar-se um partido político e não ser uma unidade militar. Faria parte do sistema político palestiniano e poderia ter apoiantes.

Na Palestina, algumas pessoas dirão que a Autoridade Palestiniana não trouxe a paz, não nos trouxe segurança, não salvou as nossas terras. Por que razão havemos de votar a seu favor se eles não conseguem apresentar resultados?

Ao contrário, talvez vejam o Hamas como capaz de colocar a questão palestiniana em cima da mesa. Hoje, a questão palestiniana voltou a emergir. A primeira intifada trouxe a Autoridade Palestiniana, esta guerra provavelmente poderia trazer o Estado palestiniano.

Quão frágil está o Hamas depois desta guerra com Israel?

Sofreram militarmente — não sabemos quanto — depois de sete meses de luta contra o exército israelita, com o apoio dos Estados Unidos e de alguns países europeus. Quase todas as armas do Hamas eram feitas à mão e tenho a certeza de que perderam muitos homens.

Mas, no final, passaram-se sete meses e Israel não está a mostrar uma vitória. Assim, a credibilidade de Israel está a ser posta em causa. Nós lutamos contra isso. Isso significa que o cenário mudou e nós realmente procuramos uma mudança. Talvez seja a hora.