Diálogo e Confrontos inter-religiosos e culturais

(Propostas de Reflexão)

  1. A mundialização a que assistimos hoje, em vez de pôr em contactos povos e culturas num processo de enriquecimento mútuo que resultasse salutar para toda a Humanidade, está a espalhar um uniformismo conformado e empobrecido, de natureza tecnológica e materialista, que põe em causa a liberdade criativa e transcendental que distingue a essência humana.
  2. Os protagonistas desse novo “império mental” não sabem falar doutra coisa senão de “choque de culturas ou civilizações” e de “guerras de religiões”, ocultando, consciente ou inconscientemente, as verdadeiras causas dos desequilíbrios insustentáveis e intoleráveis de que sofre o nosso mundo no dealbar de um novo milénio.
  3. É nossa profunda convicção que os conflitos e confrontos, às vezes sangrentos e à escala mundial, a que assistimos hoje, não têm origem primeira nas religiões, nas diversidades culturais ou nas pertenças étnicas, eles alimentam-se, em primeiro lugar, de interesses sociais, económicos e políticos antagónicos e resultam daquela ordem mundial (regional ou local) injusta e profundamente desequilibrada.
  4. As pertenças religiosas, culturais ou étnicas são manipuladas – em geral por grupos minoritários – ou para “legitimar” a imposição violenta daqueles interesses ocultos, ou como reacção, por vezes desesperada, àquela ordem das coisas viciada e intolerável.
  5. Por outro lado, o processo acelerado da mundialização e globalização (termos e conceitos que não se devem confundir, à maneira anglo-americana…) não foi acompanhado por valores culturais e éticos correspondentes (por um “acréscimo de espírito”, como diria Karl Jaspers). Esse processo tem antes atropelado ou destruído alguns sistemas de valores profundamente ancorados no coração das populações do globo, alguns deles muito antigos, sem propor substitutos viáveis.
  6. Em sentido contrário, as religiões, que sempre enformaram e sustentaram os valores éticos da Humanidade, não conseguiram, de um modo geral, acompanhar o ritmo dos novos paradigmas societais e a nova conjuntura planetária. Parecem ter parado no tempo, ficado presas às suas tradições particulares, por vezes milenares, sem capacidade de actualização, universalização e “globalização” das suas mensagens e seus valores. 7. O nosso mundo de hoje precisa como nunca antes, e com grande urgência, não tanto duma nova religião ou cultura universal uniforme, mas que as diferentes tradições culturais e espirituais descubram ou re-descrubam – todas juntas, de modo solidário e igualitário (!) – os valores “antropológicos” perenes que correspondam às necessidades e anseios dos homens e mulheres dos nossos tempos. Valores que possam fundar e enformar as relações entre povos e sociedades, e bem assim as diferentes esferas da actividade social organizada e mundializada (diplomacia e política, comércio e economia, serviços sociais, relação com a natureza, etc.).

Évora, 28 de Maio de 2020

Adel Yussef Sidarus é
Professor Jubilado, da Universidade de Évora
Membro do Instituto de Estudos Orientais, UCP, Lisboa
Cristão egípcio, chegou a Portugal, em 1976, para ensinar Estudos Árabes e Islâmicos).