De braços abertos à construção de novos muros

Desde 2015 que a Europa tem vindo a ser assombrada por uma crise de refugiados com proporções que não se verificavam desde o final da Segunda Guerra Mundial. Muitos países adoptaram a estratégia Fortaleza Europa, construindo barreiras físicas ao longo das suas fronteiras para evitar a entrada ilegal de pessoas no seu território. A crescente tensão na fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia, com o transporte de refugiados provenientes maioritariamente de países como a Síria, o Afeganistão e Iraque para o espaço europeu, reavivou o trauma dessa crise.

Este processo tinha já sido iniciado em 1993, com a construção do muro espanhol em Ceuta. Desde então, os muros na Europa não têm parado de crescer, sendo hoje possível constatar que mais de 1/3 dos Estados-membros da União Europeia (UE) ergueu durante este período várias barreiras físicas. São exemplo as construções: entre Mellila, Espanha e Marrocos (1998); entre a Grécia e a Turquia (2012); entre a Bulgária e a Turquia (2013); entre a Hungria e a Sérvia (2015); entre a Macedónia e a Grécia (2015); entre a Hungria e a Croácia (2016 – 2019); entre a Áustria e a Eslovénia (2015 – 2016); entre a Eslovénia e a Croácia (2015); entre o Reino Unido e a França (2015) e entre a Letónia e a Rússia (2015 – 2019) . 

Entre as diversas razões que poderiam ser apontadas como estando na origem destas barreiras contam-se motivações de carácter securitário, com a finalidade de segregar determinados grupos de pessoas, ou para prevenir a imigração. É esta última razão que tem estado na origem da quase totalidade das barreiras físicas edificadas por países europeus, apesar dos debates e críticas feitas nas instituições europeias.

O que se passa hoje no leste europeu não se pode considerar uma novidade no sul da Europa, havendo um historial de episódios na sequência do fracasso do Acordo de Cooperação de 2016 em que a Turquia ameaçou abrir as fronteiras e deixar passar as grandes massas de refugiados que tinha retidos no seu território para a Europa. Assistimos hoje a uma tentativa de pressionar a UE no leste europeu como resposta às sanções que os europeus têm implementado sobre o regime de Lukashenko desde 2020. Estas sanções tiveram início na sequência da contestação do resultado das eleições e da violenta repressão dos protestos que se seguiram em retaliação face ao não reconhecimento do novo regime.

Apesar da maior pressão na fronteira polaca, também as fronteiras da Lituânia e da Letónia com a Bielorrússia têm sido ponto de chegada de refugiados provenientes dos destinos identificados. Os governos destes países têm ainda pressionado Bruxelas para a disponibilização de apoio financeiro para a construção de barreiras nas suas fronteiras.

A ideia da construção de muros na Europa financiados pela UE não é nova. Em 2017, Viktor Órban, primeiro-ministro húngaro, pediu a Bruxelas que financiasse metade da cerca que construíra no seu país em 2015, por forma a evitar a entrada de refugiados. Nesse mesmo ano, defendeu que a construção da cerca poderia não só travar quase totalmente a entrada ilegal de refugiados no seu país, como ainda proteger o bloco europeu. Esta ideia foi na altura bastante criticada e recusada pela comunidade internacional. Os migrantes eram vistos como pessoas que fugiam de situações de guerra, fome, perseguições, e a construção de muros foi vista como um não cumprimento das responsabilidades humanitárias internacionais. Hoje, porém, face aos pedidos de Estados em conflito com a Bielorrússia (Polónia, Estónia e Lituânia), parece haver uma maior predisposição para os apoiar

Vê-se uma mudança de atitude relativamente aos refugiados, que são vistos como se fossem armas e ferramentas instrumentalizadas por um regime ditatorial que orbita em torno da Rússia e procurar forçar o seu reconhecimento. No entanto, as circunstâncias reais destas pessoas não se alteraram e o que os motiva continuam a ser as mesmas questões. Apenas a forma como apareceram à porta dos 27 mudou. Esta mudança na resposta tem sido alvo de severas críticas por parte dos regimes de Lukashenko e de Putin. Estes acusam a Europa de ter padrões duplos. No seu entendimento, a União Europeia deveria proceder como fez em relação à Turquia, pagando agora também a Minsk para reter os refugiados.

Face ao impasse e à escalada de tensões, o regime de Putin diminuiu o fornecimento de gás à UE, fazendo os preços da energia disparar. Deste modo, o reforço das sanções económicas por parte da União Europeia pode levar a um corte do fornecimento do gás, situação que também pode vir a surgir no Norte de África, caso as tensões entre Marrocos e a Argélia culminem num novo ponto de pressão política com instrumentalização de refugiados.

João Simões

*Estagiário do Observatório do Mundo Islâmico. Frequenta a licenciatura em Relações Internacionais na Universidade Lusíada de Lisboa

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