Argélia busca ampliar suas relações internacionais e fortalecer os laços de cooperação

 

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Luis Augusto M. Rutledge, Analista de Geopolítica e Energia

A diplomacia da Argélia vem ao longo dos últimos anos apresentando visíveis esforços para fomentar a cooperação na frente geopolítica. Em meio a instabilidades com seu vizinho Marrocos, presos em uma rivalidade amarga sobre o território disputado do Saara Ocidental, o país comandado por Abdelmadjid Tebboune vislumbra o papel de potência regional.

Entretanto, as incertezas políticas no Norte de África e no Sahel, e a forte influência do governo russo, dificultam a orientação da política externa da Argélia. O país governado por Tebboune tem procurado romper com a passividade percebida na época de seu antecessor Abdelaziz Bouteflika. Mas, apesar da retórica da liderança regional, a ausência de uma política externa incisiva de longa data reduziu a influência argelina nos vizinhos africanos e na política internacional.

Em 2019, Abdelmadjid Tebboune assumiu a presidência e procurou usar a política externa como uma forma de ganhar a confiança de seu povo e aumentar parcerias externas. Quatro anos se passaram e a Argélia, histórica aliada dos russos, procura no atual cenário geopolítico maior aproximação da União Europeia nos campos da economia e política externa.

A guerra no leste europeu agitou ainda mais a geopolítica do Mediterrâneo de forma mais ampla e criou oportunidades para Argélia e Europa trabalharem juntas. Acordos de cooperação são de interesse de ambos os lados do Mar Mediterrâneo, no entanto, essas relações estão em grande parte limitadas ao suprimento energético europeu. O grande entrave para o desenvolvimento maior desta parceria está na forte presença do governo russo na vida política da Argélia. E, o enfraquecimento atual da influência externa de Moscou parece, aos olhos europeus, a oportunidade de uma relação mais estreita com os argelinos e de maior amplitude nas relações internacionais da União Europeia no Norte da África.

Historicamente, desde os anos 1950, a Rússia tem sido um importante parceiro político e econômico da Argélia. Naquele período, ainda como URSS, os russos forneceram apoio em vários setores, principalmente militar, para o povo argelino escapasse da forte influência francesa. A cooperação na indústria da defesa e fornecimento de armas, fundamental para a segurança estratégica da Argélia no Norte da África, se estende até os dias atuais. Uma demonstração da forte influência de Moscou é demonstrada quando 73% do arsenal argelino possuem o selo de fabricação russa. A partir de 2006, quando o Presidente Vladimir Putin visitou o país as importações de armas da Argélia aumentaram. Em 2018, a Argélia se tornou o maior importador de armas russas no continente africano.

No campo energético, Argélia e Rússia estão em caminhos contrários. Enquanto, a Rússia reduz sua participação no suprimento de gás natural europeu, os argelinos almejam ocupar esta fatia do mercado. O atual cenário mundial se apresenta favorável para uma maior inserção da Argélia no mercado energético. Muito embora Rússia e Argélia sejam membros da OPEP+ e trabalhem de forma coordenada com os interesses do grupo, a gradual ruptura do fornecimento de gás canalizado oriundo da Rússia abre caminho para que os reservatórios argelinos disputem com outros centros produtores a demanda europeia.

A Argélia possui reservas substanciais de gás natural, classificando-se como a 10ª maior do mundo. Suas reservas provadas de gás natural podem facilitar uma mudança de posição para se tornar um importante fornecedor de gás para grande parte da Europa, no momento em que Moscou enfrenta crescentes sanções do mercado europeu de energia.

No entanto, há impedimentos políticos a ultrapassar, incluindo os substanciais investimentos em infraestruturas necessários. O principal desafio reside na postura da Argélia em relação ao governo espanhol, devido ao apoio da Espanha a Marrocos no conflito do Saara Ocidental. A Argélia opõe-se firmemente à ocupação do Sara Ocidental por Marrocos e por problemas diplomáticos fechou o gasoduto. O gasoduto Magreb-Europa que passa por Marrocos em direção à Península Ibérica foi desativado em 2021.

Nesta situação, a Rússia acenou com apoio à Argélia na coordenação de suas exportações e no combate às tentativas ocidentais de introduzir mecanismos de controle de preços do gás. Uma das ideias envolve uma partilha do mercado, importante desde que a Rússia perdeu seu trono de supridor. Esta estratégia seria um passo significativo para que ambos os países aumentassem sua influência sobre o mercado de combustíveis do norte da África. Anteriormente, esta oportunidade carecia de apoio estratégico da liderança política russa, mas agora parece que ambos os países chegaram a um acordo sobre a cooperação mútua nesta área. Além disso, Moscou propôs estender a cooperação à energia nuclear. Hoje, a Argélia opera dois reatores de pesquisa nuclear e planeja construir reatores de energia nuclear.

Vale destacar que a Argélia não tem armas nucleares e ratificou o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Sendo a Argélia um dos primeiros países a assinar o Tratado de Pelindaba, que estabeleceu o continente africano como uma zona livre de armas nucleares.

Desde 1830, quando os franceses chegaram a este território do norte da África as relações diplomáticas nunca foram amenas. Muito embora, as relações franco-argelinas continuem tensas após sessenta anos da independência da Argélia, a França, importante liderança na geopolítica da União Europeia, mantém fortes relações no setor energético com os argelinos.

A França está aumentando as importações de gás natural liquefeito (GNL) oriundas deste país, fortalecendo ainda mais a presença de Argel na matriz energética da Europa. Para reforçar os laços comerciais, recentemente a França também assinou um novo contrato de 25 anos com a Sonatrach, empresa petrolífera estatal da Argélia, para a produção compartilhada de hidrocarbonetos.

No campo político, França e Argélia, têm em comum o foco no combate ao jihadismo na região do Sahel. O crescente incômodo na vizinhança argelina e o sentimento antifrancês preocupam os dois países. A ameaça jihadista que se estende do Mali ao Níger, fez aumentar a influência da Rússia na região. Para a França retomar sua influência no Sahel ela busca primeiro a difícil aproximação política com a Argélia. Na outra ponta, a Rússia, importante parceiro da Argélia, não vê com bons olhos os argelinos cooperando com uma importante potência europeia.

Por último, afim de fortalecer sua presença nas arenas internacionais através de organismos multilaterais, a Argélia busca o apoio chinês na sonhada adesão ao BRICS. As relações entre os dois países são antigas. A China foi o primeiro país não árabe a reconhecer o governo provisório da Argélia instalado em 1958, na sequência da guerra de independência contra a França. E, a partir dos anos 2000, as empresas chinesas se instalaram em diversas regiões da Argélia para financiar grandes projetos de infraestrutura. Entre eles, destacam-se a exploração de uma mina de ferro, o desenvolvimento de uma mina de zinco e a exploração do depósito de fosfatos. Em 2022, os dois países assinaram um plano de cooperação que abrange os setores de energia, agricultura e tecnologia. O acordo se estende até 2026.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luis Augusto Medeiros Rutledge é Engenheiro de Petróleo e Analista de Geopolítica e Energia. É pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no setor de Petróleo. Membro Consultor do Observatório do Mundo Islâmico de Portugal e Consultor do CERES – Centro de Estudos das Relações Internacionais. Possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Especialização em Diplomacia e Relações Internacionais pelo Ibmec. É comentarista de Geopolítica Energética do site Mente Mundo Relações Internacionais e colaborador de Geopolítica Energética no Jornal Zambeze de Moçambique. Contato: rutledge@eq.ufrj.br