TEMA: A pandemia do COVID-19 e os seus efeitos em países do Médio Oriente e do Norte de África.
RESUMO
De acordo com a actualização de dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 10 de Maio de 2020 (12h49), a pandemia do COVID-19 infectou mais de 3,9 milhões de pessoas, em todo o mundo, com um registo de 274.361 mortes. De momento, os Estados Unidos da América surgem no topo da lista dos países mais atingidos, ultrapassando os 1,2 milhões de infectados. Por todo o lado, a pandemia rapidamente se alastrou. Em toda a região do Médio Oriente e do Norte de África, submetida a pressões de diferente natureza, o número de infectados é de 255.728, havendo a lamentar 8.290 óbitos, com a Turquia e o Irão a registarem o maior número de pessoas infectadas. Num ambiente de manifesta crise socioeconómica e política, a pandemia do COVID-19 mais não faz do que acentuar muitos dos problemas já existentes nos países da região.
* Middle East and North Africa
ANÁLISE
No Médio Oriente, as primeiras manifestações do COVID-19 tiveram lugar, em Fevereiro de 2020, no Irão, embora sem incidências que pudessem ser consideradas alarmantes. Todavia, a propagação da pandemia foi tendo lugar por todo o mundo, de modo alarmante, com milhares de novos casos em cada dia. Numa região particularmente afectada por conflitos de natureza social e política, as respostas à pandemia não foram uniformes, o que foi agravado por múltiplas fracturas de natureza territorial. Os países da região revelaram impreparação para responder a uma ameaça do tipo da que agora se apresenta, denunciando, muitos deles, falta de recursos e de sistemas sanitários adequados. A região desde há muito que regista elevados níveis de enfermidades que, inevitavelmente, potenciarão os efeitos e a mortalidade resultantes do COVID-19, sobretudo em grupos de risco relacionados com uma idade avançada ou presença de diferentes patologias. Foi neste contexto, que, na sua maioria, os países da região acabariam por adoptar modelos de resposta à pandemia semelhantes aos europeus. Na verdade, as respostas dos diferentes Estados da região ao COVID-19, num contexto regional e global já de si bastante conturbado, estão a converter-se num amplo desafio à sua capacidade de reacção para os sérios problemas postos por esta nova hecatombe sanitária. A exemplo do que aconteceu em muitos outros países do mundo, a avaliação dos riscos, e a consequente reacção à pandemia nos países do Médio Oriente e do Norte de África teve lugar tardiamente, sendo de crer, por outro lado, que a enorme densidade populacional das principais cidades da região, associada a uma declarada escassez de meios relacionados com a detecção e tratamento dos casos de contágio pelo COVID-19, terão sido os principais factores que contribuíram para a sua rápida propagação, onde as consequências, sob o ponto de vista social e económico, são verdadeiramente imprevisíveis, merecendo destaque o sector do turismo. É exemplo disso, a tradicional peregrinação anual a Meca, que supera os 20 milhões de visitantes, e que terá um peso considerável na economia da Arábia Saudita. Todavia, outros países, como o Egipto, a Jordânia, a Tunísia ou Marrocos, onde o Produto Interno Bruto (PIB) é fortemente influenciado, directa ou indirectamente pelo sector turístico, o seu efeito nas respectivas economias é deveras preocupante. A tudo isto, há que somar a crise do sector petrolífero e a acentuada queda dos preços do petróleo desencadeada pela Arábia Saudita, logo no início de Março. Esta situação irá inevitavelmente provocar sérios danos nos países da região MENA, ao longo dos próximos anos, o que contribuirá para o aumento da instabilidade social e política, já de si precária em muitos dos Estados da região. Aparentemente, a salvo estarão a Arábia Saudita, o Bahrein, os Emirados Árabes Unidos, o Kuwait, Omã e o Qatar, países integrantes do Conselho de Cooperação do Golfo, que dispõem de recursos e sistemas de saúde considerados como os mais eficientes da região.
A Síria, e em particular a região do noroeste, é a que, de momento, apresenta o risco mais imediato de propagação do COVID-19, para a qual responsáveis da ONU já alertaram para o perigo de uma contaminação em massa, agravada pela ofensiva das forças governamentais, apoiadas pela Rússia, sobre a população de Idlib e ataques sistemáticos a hospitais e a outras instalações médicas, que já provocaram o deslocamento de mais de um milhão de pessoas, nos últimos meses. Com enormes massas populacionais deslocadas, ou confinadas a campos de refugiados, a Síria não parece estar minimamente em condições de responder com eficácia à pandemia, parecendo, por outro lado, esconder os seus reais números. Ironicamente, ou não, “são organizações como o Hamas e o Hezbollah que maior contributo têm dispensado no combate à pandemia”.
No Iémen, num cenário de guerra que teve início no ano de 2015, o número de pessoas que tem recorrido a assistência humanitária ultrapassa já os 24 milhões.
Da sua parte, o Iraque, com registo de enormes fluxos de populações deslocadas, e confinadas a acampamentos de refugiados, aumenta o risco de uma propagação do vírus de grandes dimensões, com a perspectiva de uma potencial escalada de violência.
No Irão, entretanto, as autoridades vivem um momento particularmente difícil. À já depauperada economia, motivada, sobretudo, pelas sanções internacionais impostas ao regime, juntou-se, agora, a pandemia do COVID-19, naquele que é um dos países da região mais atingidos por este flagelo. Por parte das autoridades, a reacção surgiu algo tardiamente; já nos últimos dias de Março, o que viria a provocar a propagação do vírus aos Estados vizinhos. Enquanto isso, Teerão acusava os Estados Unidos de serem os principais responsáveis pela ausência de uma reacção mais pronta e eficaz, por via das sanções impostas ao regime iraniano.
Neste combate global à pandemia, as autoridades da Arábia Saudita adoptaram uma abordagem agressiva, impondo, entre outras medidas, o recolher obrigatório. Paralelamente, foi decretada a proibição da peregrinação a Meca e Medina, dois dos lugares mais sagrados do Islão, que estarão encerrados em pleno Ramadão, algo que acontece pela primeira vez em 1400 anos.
A Turquia, por seu turno, registou, logo no início de Abril, a maior aceleração do número de casos de infecção pelo COVID-19, entre os países da região, devida, fundamentalmente, ao seu mal estruturado sistema de saúde, e à escassez de equipamentos e profissionais de saúde. Esta circunstância terá sido agravada pela manutenção de toda a mobilidade social em cidades com grande densidade populacional, sobretudo Istambul.
Entretanto, a Argélia registou um abrandamento do número de manifestações populares que visavam a classe política e a reacção crescente aos casos de corrupção. O movimento popular, que dura há mais de um ano, foi, entretanto, suspenso, desde os finais de Março, em consequência do aumento de casos do COVID-19, de modo a evitar os riscos de contágio entre os manifestantes, num país onde as infraestruturas sanitárias se têm mostrado particularmente deficientes.
O Egipto, que regista a maior população dos países da região, assinalou um dos maiores números de contágios de toda a região árabe, embora as autoridades continuem, segundo outras fontes, a divulgar estatísticas manipuladas. É de esperar, entretanto, que o impacto económico da pandemia, particularmente nos domínios do turismo e do tráfego marítimo, venha a produzir uma acentuada recessão na economia do país.
A Líbia, onde o actual governo beneficia do apoio da ONU, comprometeu-se a responder à pandemia com um investimento de 350 milhões de dólares, não parece estar a corresponder ao prometido. O sistema de saúde acabou mesmo por entrar em colapso, devido, sobretudo, à debandada em massa de médicos estrangeiros, em pleno período de guerra. Entretanto, os líderes internacionais, também eles a braços com os problemas da pandemia, parecem estar mais focados na resolução dos seus próprios problemas.
Da sua parte, Marrocos enfrenta, a breve trecho, um sério problema devido à queda de receitas provenientes do sector turístico, o que levou já as autoridades a reconhecerem este ano de 2020 como o pior, desde 1999. Outros sectores da economia serão, igualmente, fortemente afectados, o que, seguramente, irá potenciar manifestações generalizadas de descontentamento social.
A Tunísia, com um governo de matriz democrática, e uma referência em todo o Magrebe, que, desde há muito, tem vindo a enfrentar persistentes e profundos problemas económicos, debate-se, agora, com as consequências da pandemia, desde logo, motivadas pela queda acentuada das receitas provenientes do turismo e do comércio com a Europa.
CONCLUSÕES
Num espaço particularmente vulnerável, os países da Região MENA, onde o número de casos está em permanente evolução, confrontam, agora, uma pandemia, o COVID-19, que põe em causa a sua incessante e legítima busca de estabilidade, segurança e progresso social, e de consequências potencialmente graves nos mais variados domínios da sociedade. Desde logo, sob o ponto de vista sanitário, é colocado um gigantesco desafio que obriga a uma resposta coordenada entre todos os Estados, de modo a ser evitada uma propagação global descontrolada. A esta prioridade, está inapelavelmente associado o tema económico, com fortíssimas implicações na vida das sociedades, pondo em causa a tão desejada coesão social. De igual modo, haverá consequências nos domínios da segurança e das liberdades individuais. São de esperar, igualmente, repercussões na esfera da geopolítica, dada a continuada presença dos Estados Unidos, a crescente influência da Rússia e a emergência das grandes potências regionais. Todavia, apesar dos sinais de preocupação associados à pandemia do COVID-19, parecem projectar-se sinais de esperança, com a revelação e manifestação de gestos humanitários e de enorme solidariedade entre rivais de longa data. Tais são os exemplos dos Emirados Árabes Unidos, que disponibilizaram mais de 30 toneladas de ajuda ao Irão, no sentido de enfrentarem o flagelo pandémico do COVID-19. Outros Estados com relações mais estreitas com o Irão, concretamente, o Kuwait e o Qatar, deram, igualmente, o seu importante contributo.
Partindo de uma perspectiva optimista, é de crer que, num futuro não muito distante, esta pandemia venha a contribuir para uma reconfiguração da geopolítica e da geoeconomia de todo o Médio Oriente, e uma consequente e há muito desejada estabilidade política e social em todos os países da região.
João Henriques é
Vice-Presidente do Observatório do Mundo Islâmico
Investigador Integrado do Observatório de Relações Exteriores (OBSERVARE) da Universidade Autónoma de Lisboa