Ainda que, em tempos, tenha sido um país estável, a fragilidade política na Líbia conta já com, pelo menos, 50 anos, intercalando-se com curtos períodos de estabilidade conseguida pelos vários governos transitórios. Após inúmeros apelos civis, a comunidade internacional não fechou os olhos. No entanto, a eficácia da sua ação é questionável. Primeiro com a intervenção da NATO e depois das Nações Unidas, a verdade é que a situação política na Líbia permanece incerta e, para já, sem um fim à vista.
A Líbia, como país rico em petróleo, já teve um dos mais elevados padrões de vida em África, com cuidados de saúde e educação gratuita. Atualmente, é afetado por uma profunda instabilidade política e um ambiente de caos, que se prolonga desde a queda do regime de Muammar Gaddafi. Como é que um país outrora próspero chegou aqui?
O governo de Gaddafi sempre fora caracterizado pela brutalidade, o que, mais cedo ou mais tarde, acabou por causar protestos por parte dos civis, que ansiavam por eleições democráticas no país. Apesar de inicialmente pacíficos, os protestos tornaram-se rapidamente violentos, dada a agressiva resposta do ditador aos mesmos. Apesar do seu desencontro a nível ideológico, civis de diversos quadrantes políticos mobilizaram-se no sentido da revolução, tendo como ponto comum o objetivo de destituir Gaddafi. Mais tarde, também como reação ao regime, foi criado, em fevereiro de 2011, o Conselho Nacional Transitório (CNT), uma força local composta por “combatentes rebeldes e liderada por opositores do governo”.
O escalar da situação resultou num pedido de ajuda à comunidade internacional e uma consequente anuência. Em março, a NATO iniciou a sua intervenção na Líbia, desempenhando um papel fundamental na queda do regime em vigor. Uma das operações que se destacou neste âmbito foi a Operação Odyssey Dawn, que consistia no recurso a bombardeamentos com vista ao estabelecimento de uma “no-fly zone” para proteger os civis.
Com o derrube do governo e posterior morte de Muammar Gaddafi, a NATO e vários países ocidentais e árabes reconheceram o CNT como “autoridade governativa legitima da Líbia até à formação de uma autoridade transitória”. Não obstante, quando deu por terminada a sua ação e se retirou apressadamente do território líbio, a NATO não deixou instituições nem líderes, dois aspetos fundamentais quando se trata da democratização de um Estado. Tal teve também repercussões negativas a nível económico, comercial e na convivência entre diferentes comunidades étnicas, pelo que a intervenção foi vista por muitos como lamentável e a instabilidade como inevitável. Em agosto de 2012, devido à crescente tensão e insatisfação perante o CNT, este transferiu o seu poder para o Congresso Nacional Geral (CNG), eleito alguns meses antes.
Desde então que o país se encontra dividido sobretudo entre dois centros de poder político: a administração de Tripoli, cidade a oeste, e a administração de Tobruk, a este. Em 2014, a fragilidade política da Líbia ficou mais uma vez patente, com o surgimento de uma nova vaga de protestos contra a ação do CNG, protestos estes que culminaram numa guerra civil, que se prolongou por vários anos.
Este contexto de instabilidade permanente levou as Nações Unidas a implementar, em 2018, um Plano de Ação para a Líbia , que abrange, para além de assistência humanitária, reconciliação local e novas eleições.
Hoje, o cerne do problema está relacionado com a ameaça à democracia, que se tornou evidente com o adiamento das eleições presidenciais e legislativas por tempo indefinido. Estas eleições, cujo objetivo seria o de colocar fim à sequência de governos de transição a que temos assistido no país, resultou na nomeação de um chefe de governo, Fathi Bashaga, enquanto o anterior, Abel Hamid Dbeibah, ocupava ainda o cargo.
Apesar da ONU reconhecer Abel Hamid Dbeibah como primeiro-ministro, reconhece que “em última análise, os líderes da Líbia vão ter de se juntar para chegar a acordo ou voltar a encontrar uma solução“, o que não é simples de materializar.
Apesar de muitos anos se terem passado, o contexto político da Líbia não tem sofrido grandes alterações, revelando-se o país um verdadeiro poço de instabilidade. Por mais intervenções externas que se efetivem, estas não terão qualquer efeito se não existirem, em primeira instância, instituições democráticas, eleições recorrentes e inclusivas e o respeito pelos direitos humanos.
Beatriz Sobral Encarnação
*Estagiária do Observatório do Mundo Islâmico. Frequenta a licenciatura em Relações Internacionais no ISCSP
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