As comunidades muçulmanas têm registado um crescimento assinalável nas últimas décadas em Portugal, proveniente de uma diversidade de nacionalidades. A integração destas comunidades gera um conjunto de desafios que precisam de encontrar respostas urgentes. E foi para contribuir para esse debate que o Observatório do Mundo Islâmico, juntamente com a Comunidade Islâmica de Lisboa (CIL) e o Centro Cultural Colinas do Cruzeiro, organizaram a conferência “Integração e Desafios das Novas Comunidades Muçulmanas”.
Uma comunidade em crescimento
Segundo dados apresentados por João Henriques, vice-presidente do Observatório do Mundo Islâmico, a comunidade indiana tem registado das mais altas taxas de crescimento e, neste momento, figura já como a quarta maior do país. Quadruplicou em 15 anos e totaliza mais de 34 mil pessoas. Por sua vez, a comunidade nepalesa entrou no top 10 das principais nacionalidades dos imigrantes em Portugal, totalizando mais de 23 mil pessoas.
Rana Uddin, Presidente do Centro Islâmico do Bangladesh, testemunha a mudança que aconteceu nos últimos anos e sabe bem a diferença entre a comunidade que encontrou quando chegou a Portugal, em 1991, e a que existe atualmente. Desde aí, o número de nacionais foi crescendo e, atualmente, formam uma comunidade entre 60 a 70 mil pessoas.
A questão da integração
Uma maior comunidade significa uma maior integração? Não é isso que Rana Uddin sente. Depois de vários processos de legalização extraordinários, a verdade é que as comunidades muçulmanas encontram muitas dificuldades quando chegam. “Houve uma política de portas abertas, mas as pessoas quando chegam não têm comida, não têm trabalho e não têm direitos fundamentais”, afirma.
Chama a atenção para o discurso que muitas vezes se faz ouvir de que as pessoas provenientes do Bangladesh, Índia, Paquistão e Nepal vieram para Portugal para estragar a sociedade. E faz um apelo: “É preciso alertar e elevar a voz, dizendo que não vieram pedir esmola. Vieram para trabalhar, com uma postura construtiva de ajudar a política e a economia do país.”
O papel das comunidades muçulmanas existentes é muito importante para agilizar a inclusão e garantir que se trata de um processo satisfatório, sem esquecer o necessário apoio social, a integração profissional e educacional. É isso que Mahomed Ashfaque Tayob, Presidente da Comunidade Islâmica de Odivelas, sente. A comunidade local “tem uma parceria de várias décadas com as entidades sociais e autárquicas de Odivelas, sendo um exemplo de integração, de sã convivência multicultural e inter-religiosa”.
Quando isso não acontece surgem problemas que podem ganhar grandes dimensões. Especialista em Psicologia Criminal e Psicologia Forense, Sérgio Pereira dá o exemplo da Brandoa, onde estão a chegar comunidades paquistanesas com problemas de integração. As outras comunidades já presentes sentiram o seu espaço invadido por pessoas que não conhecem. Por outro lado, quem chega tem tendência para se fechar e autoexcluir. “Fecham-se sobre si próprios e isso gera hostilidade. O desconhecimento cria desconfiança e sentimento de ameaça”, destaca o especialista.
O receio do islamofobia
Facilmente as perceções negativas podem materializar-se em abusos verbais, criar ódio e gerar discriminação, frisa Sheikh Zabir Edriss, Presidente do Centro Cultural Colinas do Cruzeiro. Pode, assim, gerar-se um clima de islamofobia que em nada beneficia dos estereótipos que, por vezes, passam na comunicação social ou até por algumas medidas de segurança desproporcionais.
A crescente politização dos temas da imigração também não dá um contributo positivo para a integração das comunidades muçulmanas, acrescenta José Mapril, Professor Auxiliar Convidado no Departamento de Antropologia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Alinhados com o discurso dos políticos de extrema-direita da Europa, os partidos de extrema-direita estão a reforçar o discurso alarmista que impacta diretamente a população migrante.
Mas a islamofobia não afeta apenas quem tem nacionalidade estrangeira. Mesmo os portugueses que se converteram ao Islão enfrentam discriminação, alerta Sheikh Zabir Edriss. Fala, por isso, num problema de liberdade religiosa e de diferenças culturais que são mal entendidas.
O processo de integração
Como trabalhar no sentido de aceitar e integrar as comunidades muçulmanas? O professor José Mapril começa por salientar que há uma diversidade de populações muçulmanas e que é necessário ter uma política de reconhecimento para essas novas vozes.
Há 20 anos que se dedica ao estudo da comunidade muçulmana do Bangladesh em Portugal e diz que é preciso reconhecer outras vozes do Islão no espaço público português, para serem reconhecidos como cidadãos de pleno direito. Isso parte, desde logo, diz José Mapril, por reconhecer que estas comunidades têm o direito de criar o seu lugar religioso e cultural. É nesse sentido que tem defendido o projeto da Praça da Mouraria, uma praça renovada pela Câmara Municipal de Lisboa, onde estava prevista a construção de uma nova mesquita.
No entanto, o projeto tem encontrado vários obstáculos e ainda não saiu do papel. “A presença da mesquita na nova praça gerou pânico”, explica José Mapril, salientando as críticas que têm surgido de diversos quadrantes, levantando suspeitas sobre a comunidade do Bangladesh. Ao contrário do que se diz, “são parceiros de pleno direito na esfera pública e têm o direito de criar o seu lugar religioso e cultural. É preciso reconhecer as novas vozes e a Praça da Mouraria e a mesquita eram uma forma de reconhecimento. O boicote e o cancelamento são o impedimento do reconhecimento das novas vozes.”
O esforço de integração de quem chega
Mas o processo de integração não é uma tarefa apenas de quem recebe as comunidades muçulmanas imigrantes. Sheikh Zabir Edriss destaca que “a integração é um processo bidirecional, tanto a comunidade como os indivíduos que chegam devem procurar integrar-se”.
Nesse sentido, diz que para uma maior inclusão, os muçulmanos devem procurar compreender e respeitar a cultura local, envolver-se na comunidade, aprender a língua local e participar em atividades cívicas (por exemplo, votando). Além disso, devem adaptar-se às normas do local de trabalho, colaborando com os colegas, conhecer os seus direitos e responsabilidades legais, participar em diálogos construtivos, mostrar apreço pela diversidade, defender a tolerância e aprender sobre a comunidade local onde estão inseridos.
Sheikh Zabir Edriss, Presidente do Centro Cultural Colinas do Cruzeiro, deixa um conjunto de regras fundamentais para uma integração mais eficaz das comunidades muçulmanas:
1 – A educação e sensibilização sobre o Islão e as suas práticas.
2 – O diálogo inter-religioso aberto para haver entendimento mútuo e criação de pontes.
3 – A inclusão no local de trabalho com a criação de locais para práticas religiosas (salas ecuménicas).
4 – A participação ativa dos muçulmanos na vida cívica, sendo tratados como cidadãos normais.
5 – A integração cultural mediante eventos que promovam a troca positiva entre vários grupos.
6 – Os media adotarem um diálogo mais integrador e positivo.
7 – O apoio comunitário.
8 – A educação multicultural, abordando a diversidade cultural nas escolas.