A cidade de Hebron é um dos piores reflexos de uma ocupação que dura há quase 100 anos. Vítima dos conhecidos assentamentos judaicos, por parte de Israel, é ainda a única região onde colonos israelitas habitam dentro da própria cidade.
Datam 25 anos desde que foi assinado o protocolo relativo à redistribuição de Hebron, acordo de Wye River, onde 80% está sob controlo da Autoridade Palestiniana conhecida como H1, 20% sob a alçada de Israel, zona H2. Em 1997, viviam cerca de 35 a 40 mil palestinianos na cidade, em 2017 aproximadamente 12 mil. Hoje, serão, provavelmente, menos. Os que permanecem tornam-se um símbolo de resistência e esperança, enquanto os colonatos israelitas continuam a aumentar.
Mais de cem obstáculos físicos, 18 checkpoints permanentes e 14 parciais, decoram a cidade. Mantidos em nome da segurança, mas que representam a humilhação do povo palestiniano.
Um relatório libertado pela OCHA – United Nations Office for the Coordination of Humanitarian Affairs, afirma: “o ambiente opressivo e coercivo gerado pelas restrições de liberdade, juntamente com o assédio e intimidação por parte dos colonos israelitas, resultou no exílio de milhares de palestinianos e na deterioração dos direitos de quem decidiu ficar e resistir”.
Maria Almeida, jornalista do Fumaça, participou na série documental “Palestina, Histórias de um país ocupado”. Visitou várias cidades, incluindo Hebron, para perceber como se vive a Palestina ocupada. Um dos seus motes é não viver obcecada pela verdade, mas sim pelas várias verdades, lema que motivou esta entrevista. Partindo desta premissa, a jornalista não tem dúvidas quando diz que “se tivéssemos de fazer uma visita de estudo para ver todas as formas de humilhação da ocupação israelita por parte do exército, Hebron é o melhor exemplo.”
A história repete-se, mas tendemos a esquecê-la. Em 1948, acontecia na África do Sul; hoje, o termo “Apartheid” descreve também os mecanismos que Israel utiliza para promover um sistema opressor contra os palestinos. Maria Almeida reforça esta ideia, “da mesma forma que não nos esquecemos do Apartheid na África do Sul e não tivemos qualquer problema em reconhecer aquilo como apartheid e quando está a acontecer, hoje ficamos estáticos a observar”.
Deslocamentos forçados de palestinianos das suas casas, bloqueios que limitam a mobilidade, recolher obrigatório: são algumas das realidades que marcam o quotidiano em Hebron.
Continuamos a utilizar eufemismos para uma das maiores ruturas do respeito pelos direitos humanos. A questão que se coloca para debate é: porquê?
Em boa verdade, a narrativa do conflito tem sido uma das armas mais bem utilizadas por Israel. Maria Almeida afirma que é uma estratégia mediática bem captada por Israel, onde a comunicação eficaz tem sido também uma aliada na perpetuação da ocupação. A violenta repressão contra quem luta pelos seus direitos e pela paz continua a ser analisada como conflito ao invés de uma ocupação acompanhada de limpeza étnica.
Maria sublinha que “esta narrativa vem sendo alimentada ao longo dos tempos. A forma como nós, mundo ocidental, criámos uma imagem do Médio Oriente, o medo dos terroristas, o fundamentalismo religioso, a privação de direitos, acaba por se generalizar toda uma região e todo um povo. Defendemos sempre a realidade que nos é mais próxima e essa realidade é a israelita. É sempre tendencioso”.
Faz ainda um paralelismo com um dos principais temas da agenda mediática e política, a invasão da Ucrânia. “Defendemos que o povo ucraniano deve lutar pelo seu território, defender a sua casa, mas não conseguimos reconhecer o mesmo direito ao povo palestiniano.”
Facto é que a comunidade internacional, apesar de apelos constantes, parece ter acolhido este desfecho. A cumplicidade dos EUA com Israel, o silêncio da ONU e a complacência da União Europeia aliam-se ao esquecimento generalizado. A jornalista refere que “não ser novidade é outra das lutas que a Palestina enfrenta. É um estado permanente de ocupação e é fácil as pessoas esquecerem-se. Volta para a agenda mediática quando existe uma escalada de agressão, uma crise de refugiados ou uma evolução de bombardeamentos. O facto daquela realidade não ser próxima ao mundo ocidental acaba por ser mais um obstáculo”.
Um ciclo vicioso que se continua a propagar. O foco mediático desaparece, mas a violação de direitos humanos não. A catástrofe prossegue.
Apesar da normalização da ocupação e do abandono ao esquecimento, a unidade e resistência continuam a marcar o povo palestiniano. Perdura uma vontade e capacidade de lutar por um futuro melhor. Não se trata de lutar por um território, mas sim por uma identidade, por uma vida melhor, por uma liberdade.