A presença crescente de grupos terroristas na região do Sahel evidencia a deslocação dos jihadistas do Levante para o continente africano. Um dos epicentros do terrorismo jihadista é o Mali.
Desde a independência do país, o governo maliano teve dificuldades em conciliar os interesses das várias minorias étnicas que compõem a nação. Houve várias tentativas de revolta por parte dos povos Tuaregues¸ contudo, foi em 2012 que os grupos separatistas, liderados pelo Movimento Nacional de Libertação do Azauade (MNLA), conseguiram empurrar os militares malianos do norte do país, ocupando uma vasta região do território, onde proclamaram de forma unilateral o Estado de Azauade. O Mali enfrenta uma crise volátil, na sequência da ingerência de grupos terroristas em apoio dos grupos armados políticos.
Perante estes acontecimentos, a pedido do então presidente do Mali, Dioncounda Traoré, em janeiro de 2013, iniciou-se uma intervenção militar no país, denominada Operação Serval. As Forças Armadas francesas, com o apoio das Forças Armadas dos Estados Unidos e de outros Estados europeus, instalaram-se na região com o intuito de conter o avanço dos Tuaregues e rebeldes islâmicos do Azauade.
“A Operação Barkhane assentou num diagnóstico e num princípio errado”
Teresa Nogueira Pinto, docente e investigadora da Universidade Nova de Lisboa (UNL), refere que “a presença militar francesa começou por ser um sucesso, pelo menos do ponto de vista militar, com a Operação Serval”. No entanto, “a sua sucessora, a Operação Barkhane, assentou num diagnóstico e num princípio errado. Ao focar-se no combate ao terrorismo (que é um sintoma), esta intervenção desviou-se – e talvez até tenha piorado – da causa primeira da violência e instabilidade que se vive no Sahel, que é a fragilidade dos Estados”.
Luís Bernardino, tenente-coronel do Exército português, afirma que “a Operação Barkhane veio de alguma forma reforçar a capacitação das autoridades locais naquilo que é o combate ao jihadismo”. Apesar da presença de forças internacionais para conter o terrorismo jihadista no Mali, a situação securitária não tem melhorado; inversamente, assiste-se à expansão do jihadismo para o centro e sul do país, nomeadamente na Tripla Fronteira – zona de confluência de movimentos independentistas a norte e de grupos radicais e jihadistas a sul, na convergência das fronteiras do Mali, Níger e Burquina Faso – onde se concentram a maioria dos ataques.
Por essa razão, o tenente-coronel sublinha que “a presença internacional na região vai ter que ser reforçada, vai ter que continuar e vai ter que ser mais articulada, porque como se diz, para problemas complexos tem que haver soluções integradas”. Realça ainda que: “O combate ao jihadismo não se ganha, não é uma guerra que se faz e que terminou num determinado ponto. Há por isso necessidade de conter este problema, de acompanhar em permanência para compreendermos o fenómeno terrorista na região e é por aí que este combate se faz”.
França sai. Rússia entra
Em meados deste ano, França anunciou a retirada das suas tropas e o término da Operação Barkhane. Perante estes acontecimentos, o governo do Mali anunciou que iria contratar empresas militares privadas russas para substituir as tropas francesas, nomeadamente, os mercenários do Wagner Group.
À semelhança de França, a força europeia Takuba (destacada no Sahel) também mostrou desagrado com o anúncio da contratação dos mercenários russos. “Os mercenários do grupo Wagner vão agravar ainda mais a situação”, afirma Luís Bernardino. “Há uma preponderância destes países de receberem estes apoios numa situação já de desespero, porque o Estado não tem a capacidade de garantir a segurança da sua população e, portanto, recorre a todos os meios”.
Já a docente e investigadora da UNL, defende que “os mercenários poderão ser eficazes no sentido de uma estabilização política, uma vez que uma das condições apontadas pelos insurgentes é a retirada da França, que se opõe a qualquer negociação entre o governo e estes grupos”.
“As manifestações anti-França têm aumentado – um reflexo do legado colonial”
Facto é que se tem assistido a uma crescente desacreditação das organizações e intervenientes europeus e ocidentais, aliada a uma crescente manifestação anti-França, pelo que “a Junta parece estar mais confortável com a presença dos mercenários russos do que com a presença de uma força europeia”, afirma Teresa Nogueira Pinto. “E não está isolada, uma vez que há manifestações populares (nas ruas e nas redes sociais) que reproduzem essa vontade, vindas sobretudo da população urbana. De resto, as manifestações anti-França têm aumentado em toda a região do Sahel, o que naturalmente também é um reflexo do legado colonial”.
Esta desacreditação da presença da França no Mali tem crescido, uma vez que a Junta Militar maliana expulsou o embaixador de França no mês passado.
Teresa Nogueira Pinto invoca o Afeganistão e relembra que “a legitimidade de um Estado constrói-se a partir de dentro”. Nenhuma intervenção externa (militar ou política, justificada por imperativos de segurança ou humanitários) gera a legitimidade necessária para um Estado exercer as suas funções mais básicas”. As sucessivas intervenções de atores externos “contribuíram para a formação de uma rede complexa e volátil de atores e alianças, que dilui ainda mais a possibilidade de compromisso e estabilidade: desde a multiplicação de grupos insurgentes, a redes de crime organizado, organizações não governamentais e forças militares internacionais”.
Um futuro sombrio e com um agravamento da violência
A principal solução deve passar pela reestruturação e consolidação do poder político a nível interno. “A grande força da mudança política e social tem de ser um Estado legítimo e consolidado, com autoridade para assegurar a estabilização e implementar reformas necessárias, respeitando a autonomia das diferentes regiões”, afirma Teresa Nogueira Pinto.
Para o Luís Bernardino, “a crescente complexidade de fenómenos e uma insuficiência de coordenação em termos internacionais é o que tem falhado, uma vez que a segurança é a parte visível da missão, mas a parte do desenvolvimento tem que crescer mais – temos de ser capazes de colocar mais meios de apoio ao desenvolvimento, intervir junto das comunidades locais, junto dos jovens, junto das lideranças”.
De acordo com o tenente-coronel, a solução deve ser integrada e passa por uma aposta no desenvolvimento e em medidas de proximidade com as populações. Pelo que rejeita quaisquer tipos de negociações com grupos jihadistas: “O discurso radicalizado não leva ao diálogo. Negociar com os terroristas não é de todo uma solução para o problema. Há uma dispersão imensa de grupos terroristas e de objetivos”.
Perante todos estes factores, prevê-se que as problemáticas no país agravar-se-ão nos próximos anos. Para Teresa Nogueira Pinto e Luís Bernardino, o futuro do Mali não é favorável, prevendo-se um cenário de preocupação para a segurança europeia e um agravamento da violência no Sahel.