Com origem numa crise social, proveniente de uma crise política e económica, o Líbano entrou num ciclo constante de instabilidade e incerteza. Falhas nas estruturas governamentais, ausência de assistência internacional devido à falta de abertura política, resistência a reformas e insatisfação das forças de segurança são muitos dos motivos da paralisia e desintegração libanesa.
O Líbano encontra-se à beira do colapso. No decorrer da gravíssima contração económica que o país atravessa desde 2019, aquele que outrora foi o Estado mais desenvolvido do Médio Oriente enfrenta riscos graves de subsistência.
A ordem social de uma população define-se por uma atuação consistente da classe política em redefinir as suas prioridades administrativas quando estas entram em falência, ou seja, na capacidade governativa dos líderes em implementarem reformas estatais quando assim for necessário. Ora, em território libanês, passa-se exatamente o oposto. Assistimos a uma crescente desresponsabilização por parte dos representantes políticos do país, um atribuir de culpas intermitente, acompanhado por uma onda de pobreza acérrima, sendo esta última suficiente para finalizar o colapso das instituições libanesas.
Renúncias e instabilidade numa classe política pouco capaz
Uma atuação política irresponsável e egoísta desde o final da guerra civil do Líbano, em 1990, explica a origem das tensões políticas e sociais, visto que, aproveitando a existência de várias comunidades sectárias no seu país, os líderes políticos não trabalhavam numa ótica de melhoria das condições de vida do seu povo, mas por um prisma de engrandecimento e elevação da sua própria posição e nome. Naturalmente, a junção de uma política identitária e egoísta foi o suficiente para um declínio financeiro e económico.
Estando o caos consolidado no território libanês, seria dedutível a realização de eleições em ordem de renovar os ares governativos e de gerar mudanças e novas soluções, contudo, os políticos — de maneira a perpetuarem as desigualdades e dessa forma manterem o seu papel decisório — adiaram os atos eleitorais, gerando um clima de contestação e de crescente descrédito das instituições políticas.
Atualmente, o primeiro-ministro do Líbano encontra-se numa situação relativamente difícil, visto que foi nomeado para este cargo de extrema importância no seguimento da renúncia do antigo primeiro-ministro, Najib Mikati, devido à catástrofe portuária que marcou o ano civil de 2020 para a população libanesa. Este acontecimento foi — não isoladamente — um dos responsáveis pela mudança de prisma com que o Líbano começou a ser perspetivado por outros países. Esta catástrofe portuária em Beirute causou mais de 100 mortos e milhares de feridos, sendo que ficou registado como um dos maiores desastres na região de que há memória.
Posto isto, a reação da comunidade internacional foi de completa e imediata solidariedade com o país que, num contexto não catastrófico, encontrava-se já bastante debilitado. Países de toda a Europa mostraram-se dispostos a auxiliar o Estado libanês, como, por exemplo, o governo português ou o francês, que ofereceram apoio militar e proteção civil. O Líbano encontrava-se numa situação de plena divisão social e política, sendo que, quando sucedeu esta catástrofe portuária, todas as tensões já existentes se amplificaram e, juntamente a isto, gerou-se uma crise humanitária proveniente do facto de os apoios não serem suficientes para toda a população.
É precisamente agora que as forças internacionais começam a colocar mais ênfase nas dinâmicas governativas libanesas — ou falta delas —, depositando bastante desconfiança nas suas elites políticas e mostrando-se reticentes com as ajudas financeiras que depositariam no país.
Sem apoio externo, teme-se que o Líbano possa colapsar
Com Mikati no poder enquanto primeiro-ministro, poderíamos deduzir que as reformas tantas vezes evitadas e substituídas por mecanismos de perpetuação do poder instalado poderiam, finalmente, acontecer. Porém, é necessário avaliar a situação na totalidade. As eleições libanesas parlamentares, municipais e presidenciais acontecerão todas no ano de 2022 sendo que, com um calendário eleitoral tão difícil de gerir ao nível de tempo, torna-se impossível a implementação de novas decisões políticas passíveis de gerar mudança a nível estrutural e reformativo.
É neste sentido que as ajudas externas se tornaram tão cruciais no processo de desenvolvimento do Líbano e no desmantelar progressista das elites políticas dominantes. Importa aqui relembrar que, em 2018, numa conferência de doadores liderada por Macron, prometeram-se 11 mil milhões de euros em investimento e ajuda externa, porém com uma contrapartida: a sua disponibilização estava indexada às ditas reformas. Subsiste a ideia geral entre economistas e analistas que um pacote de ajudas disponibilizado por Estados contribuintes e coordenado pelo FMI seria a mais viável opção para o Líbano, dado que garantia a realização séria e rigorosa dessas reformas e os trabalhos dessa ajuda internacional foram realmente iniciados.
Banco Central Libanês trabalhou quando todos os outros desistiram
As negociações tomaram lugar com o governo de Hassan Diab, mas a resistência do tecido empresarial e dos políticos que conservavam ligações a esse, aliada às grandes divergências internas da delegação libanesa que negociava esta ajuda internacional fizeram colapsar as negociações no início de julho. Esta quebra nas negociações frustrou o plano de reformas apresentado em abril por Diab.
Consequentemente, os trezes meses que se passaram após a renúncia de Hassan Diab foram meses de total estagnação. É simultaneamente neste período que releva destacar o papel do Banco Central Libanês, no qual a classe política se apoiou para mitigar o impacto social da crise, encetando medidas claramente insustentáveis, mas que no curto prazo amortizaram a crise.
Concretamente, o Banco Central Libanês forneceu dólares americanos aos importadores de bens essenciais a taxas impossíveis de praticar atendendo às condições do país, numa clara tentativa de subsidiar uma economia sem meios de financiar as suas necessidades externas. Desta maneira, esgotou as suas reservas de moeda estrangeira por forma a controlar a inflação, medida que atrasou o empobrecimento geral da população em cerca de dois anos, mas sempre com caráter provisório.
Pela insustentabilidade desta política e a classe política libanesa se mostrar incapaz de apresentar alternativas viáveis, a política de apoios do Banco Central Libanês tem vindo a abrandar consideravelmente tendo o Presidente do Banco, Ryiad Salameh, anunciado o fim dos subsídios para importação de combustível resultando num grave problema no fornecimento geral de energia. Pouco depois, acumularam-se as filas na procura de combustível, a paragem no transporte de mercadorias e fornecimento de bens, e a empresa pública de eletricidade libanesa encerrou a 9 de outubro as suas últimas duas centrais por falta de combustível.
80% dos libaneses vive na pobreza
São meios fáceis para adiar do inevitável, tentativas de contenção da inflação que têm apenas caráter temporário, e as famílias cujos empregos se perderam ou cuja grande parte do seu rendimento se perde para a inflação não visionam grandes mudanças no futuro. Estas são famílias que recebem os seus salários em liras, moeda que já perdeu 90% do seu valor desde os tempos que antecederam a crise económica libanesa. Cerca de 80% da população libanesa vive agora na pobreza.
Apesar de algumas destas ajudas se regerem pela narrativa de que apenas com as reformas fundamentais é que se é possível avançar numa mudança societária, alguns analistas admitem que, face à implosão das instituições políticas e ao iminente deteriorar do Estado, deverão auxiliar de forma direta as secções infraestruturais do Líbano, ou seja, as forças de segurança e os meios de subsistência, como os sistemas de água. Pedem um esforço coletivo entre os Estados externos, um conjunto de intervenções que atenuem a crise e que continuem a impor a implementação de reformas à classe política libanesa.
O verdadeiro enigma prende-se como será agilizado no futuro o processo de recuperação estatal do Líbano. Será que as ajudas externas se tornarão demasiado impactantes e acabarão por formar uma regência de ONG´s ou serão efetivamente implementadas sanções europeias num tom de obrigação e esforço para terminar com a recusa de reformas?
Por agora, o mais acertado e previsível — através de uma lente moderada — é que o apoio dos Estados externos possa fazer bastante pouco pelo tormento constante e agravado do povo libanês e os danos incorridos pela força estatal, mas que — independentemente do método de diálogo — poderão dinamizar a crise humanitária e diminuir a expectável desestabilização violenta que anularia qualquer esperança efetiva de recuperação se o seu apoio externo não existisse.