Com o acentuar de movimentos extremistas e nacionalistas em todo o globo, com um peso especial no continente europeu, os debates sobre as violações à liberdade de expressão têm ganho terreno, tanto ao nível social, como ao nível político e parlamentar.
Ataques violentos como o sucedido a 11 de setembro ou o que visou a redação Charlie Hebdo levaram a um agravamento das descomedidas ofensas e perseguições a povos muçulmanos, tendo como base uma justificação estereotipada e generalista de que o próximo “é terrorista”, ainda que nada tenha feito para o comprovar. Surge, então, uma confusão com um toque de preconceito, segundo a qual todo e qualquer muçulmano será um perigo para a tão segura sociedade ocidental, uma vez que a violência está no seu sangue.
Não é de hoje que estas atitudes depreciativas se manifestam, mas poder-se-á afirmar que a popularização das novas tecnologias da informação e da comunicação vieram dar uma liberdade adicional a opiniões que se encontravam escondidas. Assim, acentua-se a ideia de que o “outro” nos vem tirar os nossos direitos e os nossos valores, quando na realidade é isso que está a ser feito no sentido contrário.
Em toda a verdade, essa expansão global das redes sociais e dos novos media poderia ter tido um efeito oposto, no sentido de acabar com tais generalizações e apresentar noções de inclusão social, ao invés de exclusão e de normalização de estereótipos. Infelizmente, o ódio continua a ser alimentado e os ataques verbais e físicos a serem perpetuados no seio da sociedade.
Um poderia afirmar que são ocorrências banais e esporádicas, por isso não há necessidade de focar a nossa preocupação nesse sentido. Afinal, se certas pessoas não gostam de outras, é completamente normal e deverá ter uma justificação plausível: toda a gente tem direito à sua opinião, ou isto agora é uma ditadura?
Ora, é precisamente esta a questão levantada em inúmeros debates por toda a Europa, nomeadamente em países impactados por forte ondas migratórias e pela ascensão de correntes partidárias nacionalistas. Até que ponto é que a liberdade de expressão começa a pôr em causa a proibição de discriminação?
Uma democracia tem obrigatoriamente como pilar o direito à liberdade de expressão, sem o qual as discussões necessárias ao funcionamento de uma sociedade justa não têm lugar. Contudo, não será fiável afirmar convictamente que tal direito poderá ser exercido de toda e qualquer forma, mesmo que o seja feito em detrimento da dignidade e da fé do outro. A manta debaixo da qual os discursos de ódio se escondem abre caminho à exclusão e à intolerância religiosa, fazendo uso do seu poder silenciador para isolar cada vez mais certos grupos e minorias, até que os mesmos sejam totalmente oprimidos e amordaçados.
Uma notória argumentação de cariz islamofóbica, ainda que disfarçada como uma defesa às ameaças que se levantam às liberdades ocidentais, foi a polémica proposta do governo francês no que concerne ao uso dos hijabs em espaços públicos, proposta seguida depois por países como a Suíça, a Bélgica e a Áustria.
É importante realçar que, neste tipo de casos, as ofensas à integridade e liberdade religiosa não provêm apenas de pessoas sentadas em sofás, mas antes de indivíduos com uma responsabilidade política e moral superior, cujas vozes são mais ouvidas e valorizadas ─ tanto para o bem, como para o mal. Estes discursos que têm, aparentemente, uma visão protecionista dos valores nacionais estão, na realidade, orientados para uma via de negação do direito de um à sua fé. As vozes das vítimas são caladas e as suas opiniões e orientações religiosas são menosprezadas, como se a fé de um ser humano pudesse ser medida por uma vestimenta ou por um local de culto. Talvez o facto de tal opressão surgir de um meio que teria como objetivo proteger e acolher os seus, independentemente das propensões religiosas ou morais, custe mais aos lesados por tais decisões intolerantes.
Os discursos de ódio islamofóbicos, que visam principalmente o desmoronamento de uma orientação religiosa, estão presentes no cerne da mentalidade imperialista europeia, numa região que se encara a si própria como dona dos bons costumes e dos bons anfitriões. A verdade é que o ódio preconceituoso existe em força e não deve ser classificado como uma ameaça à boa imagem exterior, mas sim encarado diretamente através da inclusão de discussões mais recorrentes no âmbito parlamentar, de modo que chegue audivelmente aos cidadãos, e da própria inclusão humana e religiosa.
Não é uma religião que tem no seu sangue a maldade e o terror, mas sim o ser humano que não tolera o outro por causa do seu preconceito. O muçulmano não é terrorista; o muçulmano não é o inimigo; o muçulmano não é uma ameaça.
A Europa é, no seu todo, um universo multicultural e multirreligioso, um facto que deve ser não um motivo de desdém, mas sim de exaltação, seguindo sempre as bases do respeito mútuo e da mínima consideração humana.
Carina Sousa
*Estagiária do Observatório do Mundo Islâmico. Frequenta a licenciatura em Relações Internacionais no ISCSP
Fotografia | Christophe Petit Tesson / EPA