O Afeganistão vive uma crise económica de grandes proporções, agravada desde a ascensão dos talibãs ao poder. Com a súbita retirada das tropas americanas e dos aliados da NATO do país, o impacto também foi imediato nas dimensões democrática e social. Vinte anos depois, a retirada (ou o descartar de responsabilidades) das tropas americanas e da coligação no dia 30 de agosto de 2021, inicialmente prevista para 11 de setembro, desencadeou uma série de consequências, temores e angústias sociais e humanitárias, tendo a economia como a força motriz de toda a crise.
Em consequência dos constantes conflitos, o Afeganistão detém um desenvolvimento económico deficitário e periclitante, tendo como principal atividade a produção agrícola de bens alimentares diversos (setor primário), com a ainda produção ativa de papoilas para a obtenção de ópio — um dos produtos de grande expressão no mercado afegão e de subsistência da população, que simultaneamente contribui para o financiamento dos talibãs. Dados da think-tank afegã AREU (Afghanistan Research and Evaluation Unit), citada pelo The Economist, refere que, apesar de não ser completamente quantificável, os talibãs apenas em 2018 obtiveram cerca de 40 milhões de dólares americanos em dividendos diretos e indiretos do comércio do ópio. Esse setor primário tem recuado não só por conta dos conflitos, mas igualmente pelo impacto de secas adversas que têm assolado o país. Por acréscimo, as indústrias nacionais têm pequena dimensão, uma vez que grande parte das infraestruturas são escassas.
A ocupação dos EUA no Afeganistão ocorreu por forma a derrubar o regime dos talibãs, mas a sua retirada provocou o regresso ao poder desse mesmo regime islâmico extremista. São inúmeras perguntas que nos surgem, mas a mais essencial é: terá valido a intervenção militar, se a ajuda ao desenvolvimento do país percorreu uma lógica apenas político-militar, e não social? Uma retirada planeada e organizada era o que se esperava, mas nada disso aconteceu. O que se viu foram países da coligação internacional a assistirem inertes a ações e evacuações desorganizadas.
Os afegãos dependiam e ainda dependem muito da ajuda financeira da comunidade internacional — um garante de defesa contra grupos militantes como o dos talibãs, atualmente no poder, e do Estado Islâmico. Várias organizações governamentais e não governamentais têm vindo a alertar que é necessária ajuda financeira imediata ao Afeganistão, cuja economia encontra-se em implosão, empurrando muitos nacionais para baixo do limiar da pobreza. Segundo os dados do Banco Mundial, só em 2020, cerca de 43% do produto interno bruto (PIB) do país proveio da ajuda externa, tornando a economia afegã uma das mais dependentes de ajuda externa.
Com a redução do apoio internacional, o bloqueio de ativos do país, o comércio internacional suspenso (na maioria das dimensões da economia e de subsistência), uma inflação acelerada, a desvalorização monetária (cotação da moeda afegani em níveis nunca antes observados) e um governo talibã que controla centros de distribuição alimentar e de combustíveis (o que reflete no preço dos bens básicos), o que se vê é uma grande limitação do acesso a serviços de saúde e de educação (as mulheres já não podem frequentar os estabelecimentos de ensino) e uma alarmante disrupção social e na segurança. Em suma, o desenvolvimento e as perspetivas económicas do país estagnaram ou até regrediram décadas.
Uma das promessas que os talibãs apresentaram, quando voltaram ao poder, foi efetivamente retomar o desenvolvimento da economia; contudo, e sem o reconhecimento do seu governo, é praticamente impossível que acedam a pedidos de ajuda externa ou mesmo aos ativos financeiros afegãos depositados em algumas partes do mundo. Por exemplo, o presidente americano Joe Biden, aquando da retirada de suas tropas, referiu que os ativos do Afeganistão nos EUA ficariam bloqueados — ação também seguida pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Mundial e pelo Banco Asiático de Desenvolvimento, entre outros doadores e investidores internacionais.
Biden foi alvo de críticas pela retirada das tropas americanas e rebateu-as afirmando que os EUA não possuem a responsabilidade na construção de um país. Porém, os EUA deveriam ter uma postura de responsabilidade moral, bem como os restantes países da coligação, em ajudar a sociedade afegã a reerguer-se, não só porque ocuparam o país, mas, simultaneamente, pela defesa dos direitos humanos e ideais democráticos — agora em risco com o governo talibã.
As dúvidas quanto ao regime, que segue a corrupção sistémica existente no país, transportam-se para o setor financeiro não só pelas medidas restritivas que se estão a tomar a nível governamental, mas também a nível da sociedade: segundo o Banco Mundial, 10 milhões de afegãos estão vulneráveis à pobreza, com menos de 1 € de subsistência por dia, o que coloca o país em deterioração constante.
Por ora, apenas a ajuda humanitária e/ou até de países vizinhos (Paquistão e Índia) pode dar algum alento a uma recuperação económica. Porém, com os talibãs no poder, essa recuperação poderá nunca chegar, sobretudo pelas posições e políticas de segregação e retrocesso de ideais democráticos.
Em outubro de 2021, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, alertou que não se resolve a crise humanitária no Afeganistão sem antes se evitar que a economia entre em colapso. A comunidade internacional tem razão para não reconhecer o governo talibã e de não proceder a nenhuma ajuda que valide um governo atroz, mas o que está em causa é o abandono de uma sociedade que sofre e a qual acreditava numa mudança ao longo de 20 anos de promessas. O que resta, para já, são uma crise e um colapso económicos e humanitários que há muito não se via.
Bruno Santos Fonseca
*Estagiário do Observatório do Mundo Islâmico. Doutorando em Relações Internacionais (NOVA-FCSH). Investigador no Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-NOVA)
Fotografia | Arete / WFP