Falar de paz e segurança na região do Golfo Pérsico é uma prioridade que se tornou ainda mais evidente no contexto atual, afirma o Embaixador do Irão em Portugal, Seyed Majid Tafreshi. Em entrevista ao Observatório do Mundo Islâmico, apela ao diálogo. “Os principais atores devem pôr fim ao abuso de poder e à política; devem usar o poder da lógica, do entendimento e da convivência pacífica. Este apelo é ainda mais urgente dada a fragilidade da paz e da segurança em todo o mundo, incluindo na nossa região.” Portanto, afirma, “devemos minimizar os conflitos o mais possível”.
É incontornável falar da China quando falamos de paz e de segurança no Golfo Pérsico?
A China desempenhou um papel positivo e construtivo na nossa região, reconhecendo muito bem que tem mais a ganhar com a paz em todos os cantos do globo, da África à América do Sul, à Europa, e não apenas no Médio Oriente.
Eles valorizam a paz e a segurança mais do que a necessidade de iniciar novas guerras ou abrir novos capítulos de guerra. É por isso que o Irão e a Arábia Saudita perceberam corretamente que é melhor e mais económico para todos na região fazer concessões e procurar a paz.
É essa também a postura do Irão?
Claro, esta tem sido e sempre foi a política do Irão. Desde a Revolução Iraniana, em 1979, procuramos ter as melhores relações com os nossos países vizinhos. Saddam Hussein atacou o Irão e travou uma grande guerra contra nós durante oito anos, e até o então Secretário-Geral das Nações Unidas declarou oficialmente que foi o Iraque a iniciar esta guerra. Muitos países ocidentais e europeus, como EUA, Alemanha, França, Países Baixos, e países árabes no Golfo Pérsico, incluindo a Arábia Saudita, também apoiaram Saddam Hussein.
O corajoso povo iraniano e o nosso governo não esqueceram isso, entendendo que Saddam não representava o povo iraquiano em si, mas sim um regime brutal. Nos últimos 35 anos, demos prioridade à paz. Hoje, temos uma relação muito boa com o Iraque. Nós, juntamente com a Arábia Saudita, Kuwait e outros países da região, mantemos boas relações no âmbito diplomático. Isso é o que o Artigo 52 da Carta da ONU recomenda. Refiro-me à resolução pacífica de disputas locais através de acordos regionais.
O atual conflito entre Israel e Palestina não põe em causa esse relacionamento pacífico?
Israel não procura a estabilidade e a paz. Eles nem sequer tiveram em consideração a declaração da Organização para a Cooperação Islâmica (OCI), que foi publicada recentemente. A principal questão na qual os membros da OCI se concentraram foi encerrar a guerra, mas os israelitas, que afirmam querer uma vizinhança pacífica nesta região, não prestaram qualquer atenção.
Parece que encaram a instabilidade na região como a melhor abordagem! Mas, para o Irão e para a Arábia Saudita, é necessário garantir a paz no Médio Oriente o máximo possível, especialmente na região do Golfo Pérsico, que é a fonte de muitos recursos naturais. Ambos os países procuram atrair investimento estrangeiro e turismo, não guerra e refugiados.
(…) é necessário garantir a paz no Médio Oriente o máximo possível, especialmente na região do Golfo Pérsico, que é a fonte de muitos recursos naturais.
O que está a ser feito para garantir a paz na região?
Devemos encontrar uma forma permanente de excluir atores externos, especialmente os EUA, que não têm um interesse real na nossa região. Eles exigem e procuram instabilidade para legitimar a continuação da sua presença. Têm a mesma política para a região. Na visão deles, não há diferença entre o Golfo Pérsico e o Médio Oriente, ou até mesmo a Península Coreana. A presença militar estrangeira não ajuda, apenas aumenta a tensão.
Israel ignorou a AIEA, a organização internacional que aprovou uma resolução há mais de duas décadas sobre a ameaça nuclear deste regime que nem sequer aderiu ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. Utilizaram, frequentemente, armas ilegais contra civis em Gaza e no Líbano. Quem sabe e quem pode garantir que eles não usarão outras armas ilegais de destruição em massa contra outras nações? É uma realidade inegável que eles ignoraram todas as normas e regras internacionais legalmente vinculativas em Gaza.
Que medidas práticas deveriam ser tomadas?
Há duas décadas, o Líder Supremo do Irão propôs uma fórmula que respeita e tem por base o direito internacional: deixar que os deslocados à força da Palestina regressem à sua terra natal e decidam sobre o seu futuro, através de eleições livres. Todos os que foram obrigados a sair à força — incluindo judeus, cristãos e muçulmanos. O mundo está a testemunhar a continuação da rápida expansão ilegal dos assentamentos nos territórios ocupados, apesar do acordo que previa o estabelecimento de dois Estados com base nas fronteiras de 1967.
Infelizmente, os europeus não têm prestado muita atenção às realidades no terreno e ao que está a acontecer em Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. O Direito Internacional é muito claro quanto ao direito à autodefesa. Como podemos identificar o Hamas como um terrorista na sua própria terra ocupada e reconhecer o direito de autodefesa de Israel? Esta é, no mínimo, uma contradição, e afetará negativamente o limiar de segurança para ameaças à paz e à segurança no planeta. O mundo ocidental deve respeitar um genuíno direito à autodeterminação dos palestinianos. Isso é reconhecido até mesmo pelo direito internacional, e não é um fenómeno novo.
Todos, especialmente o mundo ocidental, devem pôr fim ao abuso da política partidária.
No caso específico de Israel e da Palestina, qual é a solução?
Matar pessoas inocentes e atacar hospitais não são privilégios militares. Israel deve reconhecer e respeitar os palestinianos e o Direito Internacional. O plano de ação do Líder Supremo do Irão era, e é, muito democrático e aplicável.
A Assembleia Geral das Nações Unidas, sob influência e pressão de certos países ocidentais, como os EUA, o Reino Unido e França, sem prestar atenção aos países vizinhos — que eram todos contra —, aprovou a Resolução 181, estipulando a base para o estabelecimento de dois Estados: Israel e Palestina. Na verdade, esta Resolução foi aprovada sem observar os princípios e objetivos enriquecidos pelo Artigo 52 da Carta da ONU, que enfatiza a importância dos acordos regionais.
Nos últimos 75 anos, a comunidade internacional testemunhou a adoção de 28 resoluções do Conselho de Segurança (sem veto), além de mais de 100 resoluções do Conselho de Segurança, todas a apoiar a Palestina. Mas todas foram rejeitadas por Israel.
Todos têm o direito de viver e de ser tratados com dignidade, não importa quem sejam, se são judeus, cristãos ou muçulmanos. Portanto, o reconhecimento é muito importante. O controlo sobre os media já não é tão eficaz como costumava ser. As pessoas têm acesso a muitas fontes. Não é possível continuar este tipo de política.
Todos têm o direito de viver e de ser tratados com dignidade, não importa quem sejam, se são judeus, cristãos ou muçulmanos. Portanto, o reconhecimento é muito importante.
Qual pode ser a chave para alcançar a paz?
Os israelitas devem pôr fim à brutalidade e ao abuso de poder, que têm o apoio dos EUA. Matar civis inocentes não é uma vantagem militar, nem um símbolo de poder e de civilização.
Dezenas de resoluções da Assembleia Geral da ONU e do Conselho de Segurança, bem como muitas resoluções europeias, enfatizaram a existência de dois Estados, mas Israel desrespeitou e violou cada resolução, tal como fez com as resoluções da OCI.
Quando Israel invadiu Gaza, disse que estava a responder a um ataque, mas existem regras sobre como responder nestes casos. De acordo com o Direito Internacional, e muitas outras fontes, como o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), os princípios de necessidade, proporcionalidade e distinção são todos relevantes, e devem ser respeitados. Dados sobre o género e a idade das vítimas permitem facilmente classificar este assassinato em massa como uma forma moderna do Holocausto.
Qual é o papel do Irão no caminho para a paz?
O Irão apoia, naturalmente, a resistência contra a brutalidade. Como disse o nosso Líder Supremo, não estávamos cientes dos planos e parece que o Hamas não alertou ninguém sobre a sua decisão. Mesmo no Afeganistão, ou no Iémen, a posição do Irão é a mesma: respeitamos e damos prioridade à vontade das nações.
Não encontrará um único conflito armado que tenhamos começado ou onde tenhamos alimentado tensões. A percentagem do orçamento de Defesa do Irão é menor do que a de outros países da região. Não temos uma postura ofensiva, nunca tivemos. Não apoiámos Saddam quando ele invadiu o Kuwait, mesmo quando os nossos inimigos estavam do outro lado, Reino Unido e EUA.
Nos últimos 300 anos, sempre mantivemos uma política defensiva. Mesmo durante as Guerras Mundiais, a nossa posição oficial foi de neutralidade.
Então, o que podemos esperar do Irão?
Continuaremos a defender a política de convivência pacífica com os nossos países vizinhos. Parece que a fragilidade da paz e da segurança na nossa região é maior do que noutras partes do mundo, e devemos minimizar os conflitos o máximo possível. Por exemplo, o Irão encontra-se, mesmo agora, a acolher milhares de refugiados afegãos, que precisam de assistência.
A opção mais importante e menos onerosa é manter a paz em todo o Médio Oriente. É por isso que defendemos uma zona livre de armas nucleares no Médio Oriente. Isso significa que o Irão deseja estar livre de todas as formas de armas de destruição em massa. Mesmo que tenhamos sofrido ataques com armas químicas, nas mãos de Saddam, e mesmo que tivéssemos acesso à produção e ao uso dessas armas, não respondemos da mesma forma.
Desejo paz para todos e não há dúvida de que, a cada dia que passa, a fragilidade da paz e da segurança aprofunda-se, por todo o mundo. A comunidade internacional deve ser mais conciliadora e unida. Não se trata de uma opção, mas de uma necessidade. Como não há disputas entre as pessoas comuns no mundo, e como as reivindicações de todos os governos têm uma base democrática — numa era de maior acesso e disseminação da informação —, seria importante descobrir quais são as verdadeiras causas da guerra.
A opção mais importante e menos onerosa é manter a paz em todo o Médio Oriente.